06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Depois de quase um ano de espera, o cônsul, gentil, por causa da minha insistência,<br />

devolveu-me o cobiçado documento. Meu nome constava em certa misteriosa lista de<br />

pessoas a <strong>que</strong>m não se concederia passaporte, avisou-me reservadamente. Tranquilizeime.<br />

Sugeriu-me <strong>que</strong> tentasse em outro país. Odisseia particular.<br />

Piração. Persistência? Ideia fixa. Com documento de viagem sueco para estrangeiros,<br />

depois das negativas em Lisboa e Estocolmo, tentei várias cidades europeias. Copenhague.<br />

Paris. Bruxelas... Acompanhavam-me certas apreensões. Podia ficar “<strong>que</strong>imada” e chamar<br />

a atenção sobre mim. Poderiam reter a<strong>que</strong>le passaporte vencido, precipitando final<br />

infeliz a meu périplo em busca da cidadania.<br />

Junto com amigos criativos, muita matutação e elucubração. Por fim, saí de Estocolmo<br />

para Paris com um bilhete do Milton Baiano para o Juarez e a Ruth, <strong>que</strong> moravam na<br />

Bélgica. Companheiros. As pessoas tinham muita paciência comigo. Ansiedade no trem<br />

de Paris a Bruxelas, onde fui carinhosamente acolhida. Era verão. Fim de junho, 1976.<br />

Calor. Cheguei cansadíssima e dormi cedo. De madrugada, acordei gritando – “Uuuuuuu!”<br />

– embaraçada nos emaranhados cordões dos meus costumeiros pesadelos. O Juarez e a<br />

Ruth, sobressaltados, correram até o quarto onde eu dormia. Aos prantos, pedi-lhes<br />

desculpas por tê-los acordado no meio da noite. Acalmaram-me.<br />

Dia seguinte: encontro na casa do companheiro Dudu, Zé Duarte. O <strong>que</strong> faríamos? Pessoa<br />

com passaporte vencido há quase um ano só podia ser louca. Discussão calorosa. E se um<br />

médico atestasse <strong>que</strong> eu era doente mental? Desistimos dessa opção por possíveis outras<br />

graves implicações. Polêmica. Tomamos sorvete. Enfim, decidimos <strong>que</strong> eu fingiria ser<br />

hippie, “doidona”, irresponsável, alienadona, irreverente, maconheira... Acreditando<br />

tratar-se de uma “garota muito louca”, não iriam verificar se meu nome constava nas tais<br />

listas.<br />

Como poderia comentar a<strong>que</strong>la reunião tão tensa para mim, mas, ao mesmo tempo, tão<br />

descontraída para todos? Não sei como comentar. Solidariedade pura.<br />

Não tenho certeza... Não sei se era uma segunda ou terça-feira. Ou quarta-feira? Eu<br />

estava uma pilha humana. Chorava e chorava. Antigamente, chorar era prerrogativa<br />

exclusivamente feminina. Muito nervosa, não obstante o apoio dos amigos, sentia-me<br />

carente, sozinha, excluída. Pesadelos. Tentava manter a dignidade na presença de outros,<br />

apesar de passar noites e noites sem dormir direito. Junho de 1976.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - exÍlio 515

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!