06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Somente, na Suécia, o Luiz Carlos me contou, em detalhes, o <strong>que</strong> tinha acontecido.<br />

Se<strong>que</strong>strados em Santiago, eles foram levados para uma delegacia. Enorme fila de<br />

estrangeiros e chilenos na espera... Fuzilamentos. A<strong>que</strong>le pessoal todo na fila da morte ou<br />

coisa parecida... Muita gente, depois, foi morta. Dezenas de carabineiros circulando.<br />

Confusão. Pilhas de papéis e passaportes em cima de uma mesa. Um meganha, lá na<br />

frente, lia nomes e entregava documentos. “Eliete Ferrer”, ele gritou. O Luiz Carlos, na<br />

fila, respondeu “Yo”. O policial não percebeu <strong>que</strong> o nome era de mulher e nem abriu para<br />

conferir a foto. Milagre. Deram para o meu companheiro o livrinho verde e ele o guardou.<br />

Esse passaporte foi salvo não sei como.<br />

O Luiz Carlos, asmático de carteirinha, tinha uma inseparável caixinha de couro onde<br />

guardava sua bombinha de asma. Nesse estojo muito elegante e todo forrado de cetim<br />

cabia não somente a bombinha mas, também, o vidro do remédio, a mangueirinha e a<br />

pera de borracha para insuflar. Refiro-me à bombinha usada antigamente. No Brasil,<br />

antes de sairmos, descosemos o forro e, sob o tecido, no fundo, foram escondidos os<br />

documentos verdadeiros dele. O meu verdinho não coube na<strong>que</strong>la caixinha mas<br />

permaneceu incólume, escondido na cueca, durante a passagem do meu companheiro<br />

pelo terror do Estádio de Chile e depois no Estádio Nacional.<br />

Os militares chilenos não aprovavam a ingerência de espiões tupiniquins no Estádio<br />

Nacional. “Dessa vez você não me escapa”, disse-lhe o capitão “Mike”, torturador<br />

brasileiro conhecido de muitos, ao reconhecer o meu companheiro entre os prisioneiros.<br />

A<strong>que</strong>le monstro, de longe, fez sinais ao inquisidor chileno para <strong>que</strong> impedisse o Luiz<br />

Carlos de fumar. Ato contínuo e acintosamente, o policial, contrariado com a presença<br />

brasileira, ofereceu cigarros ao interrogado. Entretanto, mais tarde, junto com outro<br />

brasileiro, ele foi conduzido a outra parte do Estádio para esperar, pois seriam “devolvidos<br />

ao governo brasileiro”: portavam identidades falsas e, portanto, ninguém daria pela falta<br />

deles. Antes <strong>que</strong> fossem mortos, os dois conseguiram safar-se, na manhã seguinte, em<br />

um momento da troca da guarda. História de horror.<br />

A violência do golpe atraiu organizações de Direitos Humanos Internacionais: ACNUR;<br />

CMI – Conselho Mundial de Igrejas; Cruz Vermelha Internacional; Anistia internacional.<br />

O Lehman recebeu do Luiz Carlos o livrinho lá no Estádio Nacional e o passou às minhas<br />

mãos em Padre Hurtado.<br />

512<br />

IV

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!