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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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passagem pela Argentina, passaporte na bolsa, sem uso, chegamos, poucos dias antes do<br />

golpe. Santiago, cidade singela emoldurada pelos mistérios dos Andes. Na viagem,<br />

ninguém, nenhuma autoridade, pediu, para verificação, a<strong>que</strong>le passaporte virgem.<br />

Muita alegria e alívio ao rever os amigos! Fomos acolhidos na casa do Reinaldo <strong>que</strong> vivia<br />

com a Dora, Maria Auxiliadora Lara Barcellos. Mais dois amigos já estavam lá. Muito frio.<br />

Não vou falar do Chile ou do golpe, nem da<strong>que</strong>le filme vivo de terrores, nem da cidade<br />

cheia de cachorros abandonados. Hordas de cães nas ruas.<br />

508<br />

III<br />

Acordamos, na<strong>que</strong>la manhã, com a companheira Lenise <strong>que</strong> chegou, nervosíssima, e<br />

avisou: “O golpe! O golpe!” Estávamos na casa do Reinaldo e da Dora. Dia 11 de setembro<br />

de 1973. Tinha começado a segunda fase de terror da minha vida. Ligamos o rádio e<br />

ouvimos o discurso de despedida do presidente Allende. Teve início implacável perseguição<br />

e caça aos estrangeiros. Para não sermos presos, por segurança, saímos da casa do<br />

Reinaldo e da Dora e rumamos para a casa da Lilliam e do Jaime, onde, se supunha, todos<br />

estaríamos a salvo. Apartamento no Centro, calle San Antonio perto da sede do Partido<br />

Socialista. Manhã cinzenta. Simulando naturalidade, saímos dois a dois, apressadamente<br />

devagar, caminhamos meio aos tiroteios, ouvindo rajadas de metralhadora. Estrondos.<br />

Lembro-me com se fosse hoje e entristeço-me.<br />

Nunca mais vi a solidária <strong>que</strong>rida companheira Dora. Ela e o Reinaldo refugiaram-se na<br />

embaixada do México, em Santiago. Em 1º de junho de 1976, ela se suicidou em Berlim.<br />

No dia seguinte ao golpe, 12 de setembro, fomos presos todos da casa. Éramos sete<br />

brasileiros, estrangeiros na<strong>que</strong>le país aviltado pela sanha <strong>que</strong> patrocinava a subversão da<br />

ordem constitucional e tomada de poder por militares raivosos. Junto com dezenas de<br />

objetos úteis e inúteis, como cigarros, dinheiro, relógio de pulso, utensílios de cozinha e<br />

tubos de tinta óleo, meu passaporte foi surrupiado pelo pelotão de carabineiros <strong>que</strong><br />

invadiu a casa, armados até os dentes.<br />

- Manos arriba! Manos arriba! Manos arriba!

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