06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

atingido. Não sei por quê, mas a<strong>que</strong>la gritaria me irritou. Minhas costas e pernas estavam<br />

cheias de chumbinho e sangravam. Avançando pelo corredor em direção à guarda,<br />

mantive-me tranquilo, como sempre acontece nos momentos mais difíceis de minha<br />

vida. Caminhei até a grade <strong>que</strong> separava o corredor da sala da guarda: “Sargento,<br />

sargento, acho <strong>que</strong> levei um tiro”. - O soldado autor do disparo se aproximava, a camiseta<br />

branca começava a empapar de sangue das minhas costas, os companheiros protestavam.<br />

- Sargento, preciso de um médico! - Não sei o <strong>que</strong> me levava a ter certeza, talvez o fato<br />

de não sentir grande dor, de <strong>que</strong> não era grave.<br />

O sargento abriu a grade, examinou-me rapidamente e correu ao telefone. Subiu um<br />

enfermeiro <strong>que</strong> me fez um primeiro exame. O <strong>que</strong> acontecera e evitara um acidente mais<br />

grave, foi <strong>que</strong>, ao tropeçar no degrau, o soldado virara a arma para baixo e esta, ao<br />

disparar, atingira o cimento da rampa. Estilhaços de cimento cravaram-se nas minhas<br />

costas e na pernas, amortecidos pela roupa <strong>que</strong> servira como um tênue anteparo. Logo<br />

depois, fui levado para o hospital do CENIMAR, onde fizeram uma limpeza, retiraram as<br />

pedrinhas, aplicaram algum unguento (mercúrio?) e me deram um antibiótico <strong>que</strong> me<br />

fez vomitar muito e muitas vezes. Passei a<strong>que</strong>la noite no hospital, algemado à cama.<br />

Voltei à cela no dia seguinte e, com as costas pintadas de vermelho, ganhei as boas<br />

vindas dos companheiros e um poema do Wilson, <strong>que</strong> me apelidou de Chico Peneira.<br />

É possível, em algum momento se desejar voltar à prisão? Imaginar <strong>que</strong> ela representa,<br />

de alguma forma, segurança? Sim, é possível, sim. A<strong>que</strong>la noite, na enfermaria, não me<br />

sentia seguro. Desejava voltar para a Ilha das Flores, para a minha cela, para o lugar onde<br />

estavam os companheiros, para ouvir as frases de apoio e as discussões políticas de<br />

sempre. Na<strong>que</strong>le momento de minha vida, a<strong>que</strong>la cela, na<strong>que</strong>le presídio, representava<br />

meu lugar, minha segurança. Na cama de hospital, temia <strong>que</strong> me levassem para outro<br />

lugar, <strong>que</strong> me fizessem desaparecer. Era a época de Médici, onde tudo poderia acontecer.<br />

Temia <strong>que</strong> me deixassem ali por muitos dias. Temia e vomitava. No dia seguinte, porém,<br />

após uma breve inspeção médica, para meu alívio, devolveram-me à Ilha das Flores.<br />

Na<strong>que</strong>le presídio, aprendi a gostar de História, <strong>que</strong> em breve seria parte integrante da<br />

minha vida e da minha subsistência. O companheiro Wilson teve grande influência nesse<br />

processo. Diversas vezes, quando as celas, por diferentes razões e motivos, ficavam<br />

abertas e circulávamos livremente de uma para outra, sentávamos ao pé da cama dele<br />

<strong>que</strong> nos contava detalhes de História, de lutas políticas, dos partidos, da vida dos<br />

combatentes, de economia e desenvolvimento, de nossos líderes com <strong>que</strong>m convivera. E<br />

esse papo me fascinava. Talvez tenha sido na<strong>que</strong>las “aulas” <strong>que</strong> tenha surgido a admiração<br />

462

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!