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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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- E a Marta?<br />

Estava presa. Passara pela Ilha das Flores e na<strong>que</strong>le momento estava em Bangu, junto<br />

com Márcia e Marijane. Logo apareceram outros companheiros <strong>que</strong> foram se apresentando<br />

e me arranjaram uma toalha por<strong>que</strong> era hora do banho.<br />

A hora do banho era algo à parte. As celas não tinham banheiro. Havia apenas um<br />

grande, com três ou quatro chuveiros e algumas (quatro talvez?) latrinas, no final da<br />

sequência das celas. Nós, os 50 presos políticos <strong>que</strong> lá estavam, tínhamos aproximadamente<br />

trinta a quarenta minutos para tomar banho, lavar as latas <strong>que</strong> serviam de penico nas<br />

celas, lavar alguma roupa. Depois de adaptado à rotina do presídio, eu gostava de ser um<br />

dos primeiros a me banhar para aproveitar o tempo em <strong>que</strong> as celas ficavam abertas e<br />

bater um carteado na cela do “Veio” Miguel Batista, o Artesão. Não obstante ter apenas<br />

48 anos, Miguel recebera o apelido de Veio. Artesão era por<strong>que</strong>, para passar o tempo,<br />

dedicava-se a fazer algum artesanato em madeira, dentro das possibilidades <strong>que</strong> todas<br />

as limitações do presídio ofereciam.<br />

Mas a hora do banho era também um atrativo para alguns soldados <strong>que</strong> nos vigiavam.<br />

Ali uns exerciam seu voyeurismo, pois nos vigiavam olhando-nos da altura da cintura<br />

para baixo.<br />

Na<strong>que</strong>la primeira noite, fui dormir muito tarde, quando já me cansara de falar e os<br />

demais de me ouvir. Fora-me indicada a cama da parte superior do beliche ocupado por<br />

Vitor Hugo. Maravilha: na cela havia livros e, assim, pude dormir lendo, hábito <strong>que</strong> tenho<br />

até hoje.<br />

Durante minha prisão pelo Esquadrão da Morte, Sérgio Paranhos Fleury à frente, passando<br />

pela tortura nas celas camufladas do CENIMAR, às quais se tinha acesso através de portas<br />

falsas de armários, era a primeira vez <strong>que</strong> conversava com companheiros. Uma conversa<br />

um tanto auto-vigiada por<strong>que</strong>, apesar da minha necessidade de falar, de sentir <strong>que</strong> ainda<br />

existiam seres humanos e não apenas a<strong>que</strong>les arremedos de homem <strong>que</strong> me prenderam,<br />

torturaram e inquiriram, procurava medir o <strong>que</strong> dizer. Isto era uma regra de segurança.<br />

Não conhecendo a maioria dos <strong>que</strong> ali estavam, suas organizações, diferenças políticas<br />

ou postura como preso político, mantive-me precavido, repetindo basicamente a história<br />

<strong>que</strong> havia contado aos torturadores e nos depoimentos. Em nenhum momento disse da<br />

minha suposta ligação com a ALN.<br />

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