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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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E depois de me darem as boas vindas (Incrível: boas vindas na prisão! É <strong>que</strong> quando se<br />

ganhava a comunicabilidade, em geral, já não se voltava a sofrer torturas e se começava<br />

a receber visitas), as perguntas de praxe. “Seu nome, companheiro? Te maltrataram<br />

muito? Está vindo de onde? Quem são os outros <strong>que</strong> estão do lado de lá?” As perguntas<br />

disparam meu falador, mantendo sempre certa reserva, pois era um presídio político<br />

onde não se pode nem se deve falar tudo.<br />

Acreditem, houve companheiros <strong>que</strong> falavam ininterruptamente por até mais de 24<br />

horas, ficando até sem dormir. Apesar de eu ser um falador, este não foi o meu caso. E a<br />

conversa ficou mais amena graças a uma pergunta do Cavalcanti, o sargento Eunício,<br />

<strong>que</strong> levou a conversa a tomar um rumo diferente:<br />

- Você gosta de música, companheiro?<br />

- Gosto. E muito.<br />

- Então você sabe Cipó de Aroeira, do Geraldo Vandré? É o hino de nossa cela.<br />

- Sei. “É a volta do cipó de aroeira no lombo de <strong>que</strong>m mandou dar” - cantarolei.<br />

Para <strong>que</strong> servia o hino da cela? A cada dia tocava aos presos de determinada cela lavar o<br />

banheiro e varrer o corredor. Como isso implicava em oportunidade de circular fora da<br />

cela e, quando incomunicáveis, na possibilidade de transmitir ou saber alguma coisa de<br />

ou sobre os companheiros isolados nas demais celas e, ainda, representava uma atividade<br />

física, a maioria se submetia a este trabalho com certo prazer. Em nosso dia de faxina,<br />

pegávamos os apetrechos e, sob o comando do sargento Eunício, saíamos para a lavagem<br />

do grande banheiro empunhando vassouras e baldes e cantando nosso hino.<br />

A conversa continuou.<br />

- E Manhã de Carnaval? Sabe? Rapaz, essa é uma das músicas brasileiras <strong>que</strong> eu acho<br />

mais bonita.<br />

- Claro <strong>que</strong> sei. As duas letras, por<strong>que</strong>... - e daí comecei a falar sobre música e fomos<br />

emendando assuntos, todos eles permeados por observações políticas, ligeiros análises,<br />

troca de opiniões. Ia eu, aos poucos, vendo em <strong>que</strong> terreno estava pisando. Perguntei ao<br />

Vic:<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - SoliDarieDaDe e CaMaraDaGeM No CÁrCere 457

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