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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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17.2 verso & reverso<br />

José Flamarion Pelúcio Silva<br />

Meu vizinho era um novo rico <strong>que</strong> vivia sei lá de <strong>que</strong> tipo de atividade profissional. Mas,<br />

batia no peito e dizia <strong>que</strong> era “um democrata”. Uns diziam <strong>que</strong> era contrabandista e<br />

agiota, não sei. O <strong>que</strong> sei é <strong>que</strong> vibrou muito com o golpe, a ponto de soltar foguetes.<br />

Fortaleza sempre foi uma cidade de profundos contrastes sociais. Daí o fato de eu ter um<br />

vizinho bem melhor aquinhoado em termos de vida material. Não sei se me conhecia ou<br />

não, se sabia <strong>que</strong> eu era um jovem bancário, casado há menos de um ano, comunista e<br />

militante. Mas o fato é <strong>que</strong> senti como se fossem dirigidos a mim a<strong>que</strong>les fogos<br />

“revolucionários”.<br />

Na prisão, depois <strong>que</strong> éramos ouvidos pelo coronel encarregado do nosso inquérito,<br />

íamos para um alojamento, bem mais espaçoso, onde encontrei figuras <strong>que</strong> só conhecia<br />

de nome: o professor Lauro de Oliveira Lima, o jornalista Blanchard Girão (cuja Crônica<br />

do Meio-dia, na rádio Dragão do Mar, eu sempre escutava), o professor Brasil, o padre<br />

Arquimedes Bruno, o Inácio Almeida, o Morcego (Augusto Pontes), o Caboclinho Farias,<br />

velho comunista e combativo ferroviário cearense, o Valdenilo “Balaio”, dos Correios, um<br />

negro enorme, o único habitante da<strong>que</strong>la fauna a <strong>que</strong>m o Raposo, livreiro, homem<br />

pe<strong>que</strong>no mas de corpo atlético, não conseguia derrubar na <strong>que</strong>da-de-braço. Os dois<br />

empatavam. Era um grupo muito interessante (... es<strong>que</strong>ço muitos nomes) com o qual,<br />

com certeza, aprendi muito. Chegamos a ser mais de oitenta, nesse alojamento. Foi ali,<br />

por exemplo, <strong>que</strong>, pela primeira vez, ouvi falar e tive aulas de Esperanto, com um<br />

companheiro <strong>que</strong> falava a língua da Fraternidade Universal.<br />

Lembrando do meu vizinho e do ‘Babaloo’, o cara <strong>que</strong> me dedo-durara, escrevi na prisão<br />

este poeminha:<br />

“Apontaram-me: sou mau, perigoso e subversivo.<br />

Quanta coisa de mim mesmo eu desconhecia!<br />

Preguei, horrendo crime, <strong>que</strong> os homens são todos iguais.<br />

Quando sair daqui, isso não farei jamais:<br />

Vou contrabandear, beber uís<strong>que</strong>, agiotar...<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - SoliDarieDaDe e CaMaraDaGeM No CÁrCere 455

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