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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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À nossa mesa, não se pode es<strong>que</strong>cer de <strong>que</strong> esses mortos e prisioneiros, na jornada pela<br />

liberdade, compartilharam do nosso pão e migalhas. E da nossa fome, quando nada se<br />

tinha. É desse compartilhamento, companheiro, <strong>que</strong> lhe vamos contar.<br />

1. o Pão dos outros<br />

Em 19<strong>68</strong>, no Rio de Janeiro, uma família nordestina se viu com os dois filhos mais velhos<br />

na marcha dos cem mil. Jovens crescidos em casa de pais a lhes mostrar <strong>que</strong> o mundo ia<br />

muito além do horizonte longínquo, visto do alto das mangueiras, se deram conta de <strong>que</strong><br />

havia o <strong>que</strong> fazer para garantir a liberdade e segurança de <strong>que</strong> gostavam tanto.<br />

Da passeata, chegaram à luta armada, à clandestinidade, aos cárceres...<br />

A dura rotina dos seus pais, iniciada uma década antes, ao deixarem o interior paraibano<br />

à procura de melhores oportunidades na então capital federal, tornou-se ainda mais<br />

dura com os filhos pe<strong>que</strong>nos em casa, sem os mais velhos para ajudar, e esses necessitando<br />

de visitas para suprirem-lhes um mínimo <strong>que</strong> lhes mantivesse a esperança.<br />

Em março de 1970, o filho mais velho foi levado para a macabra Ilha Grande. Por essa<br />

razão, nos primeiros anos dos setenta, na fresca madrugada carioca, a família acorda<br />

cedíssimo para <strong>que</strong> a mãe possa visitá-lo na prisão distante.<br />

No fundo da Ilha do Governador, ainda não são três horas da manhã e a mãe já está<br />

pronta para partir para a sua jornada. Ajeita na sacola de pano, resignada, merenda<br />

resistente a tantas horas de viagem até chegar ao filho, na isolada Ilha Grande.<br />

- Não se es<strong>que</strong>ça dos cigarros Continental e do leite condensado, mãe.<br />

É mãe resignada. Não tinha como intimidar o delegado Mario Borges, quando, dias antes,<br />

foi ter com ele, intimada a comparecer ao DOPS. O filho não podia contar com ela para<br />

sair da prisão. O distanciamento das atividades políticas dos filhos é tão evidente <strong>que</strong> o<br />

delegado finge se solidarizar com a humilhação de ter filhos presos.<br />

Na visita seguinte, contou:<br />

- O Doutor me tratou muito bem.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - SoliDarieDaDe e CaMaraDaGeM No CÁrCere 447

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