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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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destacado. Toda a repressão policial militar do Estado o conhecia e tinha especial vontade<br />

de pôr as mãos em Odijas. Particularmente Miranda, policial do DOPS, várias vezes<br />

referido como torturador. O Neguinho, como chamávamos Odijas, tinha vivido algum<br />

episódio com Miranda <strong>que</strong> aumentara o ódio do policial contra ele. Não sei ao certo por<br />

<strong>que</strong>, nem o <strong>que</strong> aconteceu, em um dos tantos encontros da polícia com os estudantes.<br />

Mas todos tínhamos conhecimento de <strong>que</strong> Miranda e Odijas já se haviam chocado nas<br />

ruas de Recife.<br />

Era fevereiro de 1971. Eu já me encontrava clandestino e procurado. A rigor, sem o saber,<br />

já estava marcado e cercado há muito tempo. Faltava somente a “<strong>que</strong>da”, quase tão<br />

anunciada quanto a morte do personagem de Garcia Mar<strong>que</strong>z. Aconteceu.<br />

Quando cheguei ao DOPS, em Recife, vindo de Natal, onde acabara de ser preso, não<br />

havia cela para mim, pois Carlos Alberto, Maria Yvone, mulher de Odijas, Rosa, Alberto e<br />

Mário já ocupavam todas. Colocaram-me em uma sala contígua, com dois policiais<br />

armados na porta. Olhei a<strong>que</strong>la “cela” e vi suas paredes manchadas de sangue. As quatro<br />

paredes tinham marcas de todos os tamanhos. Eram salpicos e máculas evidentes. Não<br />

foi difícil extrair a confissão dos guardas, <strong>que</strong> me contaram a história das manchas, de<br />

certo modo com o desejo de me pôr mais terror do <strong>que</strong> o espontâneo medo, <strong>que</strong> todos<br />

tínhamos, do DOPS e de seus torturadores. Odijas Carvalho havia passado por ali e fora<br />

submetido a violento interrogatório. Um mês depois, na Auditoria de Guerra, eu iria<br />

denunciar aquilo, com detalhes. Mas, no momento em <strong>que</strong> cheguei, ainda não sabia de<br />

tudo.<br />

Odijas estava, à<strong>que</strong>la hora, no hospital, onde tentavam, não rigorosamente salvá-lo mas,<br />

desesperadamente, salvarem-se das evidências de <strong>que</strong> haviam cometido um crime pior<br />

do <strong>que</strong> o calculado. Tinham feito algo mais condenável: foram incompetentes, inábeis e<br />

se deixaram levar pelo prazer, não pelo trabalho de extrair informações de um preso.<br />

Ele havia sido espancado na mesma sala onde eu me encontrava. Não foi apenas<br />

torturado; foi além. Havia uma quota a mais de ódio contra ele. Ele foi agredido, sem<br />

técnica e sem limite. Resistira às primeiras violências, mas, a seguir, um grupo de<br />

torturadores, exatamente nos poucos metros quadrados do recinto onde eu estava, o<br />

havia trucidado. A<strong>que</strong>les respingos eram o sangue de Odijas <strong>que</strong> espirrara. As manchas<br />

eram partes do corpo de Odijas jogado muitas vezes contra as paredes. Ele estava<br />

<strong>que</strong>brado em várias partes, violentado externa e internamente, com os órgãos rompidos,<br />

expelindo sangue por fora e por dentro do seu corpo.<br />

Levaram-no para o hospital, semimorto.<br />

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