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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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dele. Que ela também escrevia e <strong>que</strong> guardava tudo <strong>que</strong> era papel. Que isso era um<br />

hábito muito ruim.<br />

De sala em sala, continuaram interrogando, ora por um tenente, ora por um capitão, ora<br />

por um major, sempre ouvindo as mesmas perguntas e repetindo as mesmas respostas.<br />

Defendendo-me da acusação de <strong>que</strong> eu tinha álibi para tudo, por<strong>que</strong> estava com uma<br />

agenda com vários nomes de amigos de Socorro <strong>que</strong> eram filhos de militares, tornavame<br />

uma pessoa altamente suspeita, principalmente quando encontraram entre meus<br />

pertences o endereço de uma pessoa em Natal, em um pedaço de papel timbrado da Cia.<br />

Souza Cruz de cigarros. “Por <strong>que</strong> eu tinha a<strong>que</strong>le papel? Onde o conseguira?” O <strong>que</strong> eu<br />

não sabia é <strong>que</strong> na véspera os guerrilheiros tinham invadido a Souza Cruz. Só depois <strong>que</strong><br />

fomos soltas é <strong>que</strong> soube.<br />

Ficamos na<strong>que</strong>le quartel das nove às dezoito horas. Fomos ao banheiro duas vezes,<br />

escoltadas. Não nos ofereceram nem uma xícara de café. Nem um copo d’água.<br />

Minha amiga, Clara, <strong>que</strong> nada tinha a ver com aquilo, chorava muito e eu me mantinha<br />

calma, por<strong>que</strong> sabia <strong>que</strong> na<strong>que</strong>le episódio não tinha culpa alguma. Estava totalmente<br />

inocente e logo, logo eles perceberiam o engano. Sentia-me tão tranquila <strong>que</strong>, quando<br />

às 18h nos mandaram entrar em um jipe, pensei: “Agora, viram <strong>que</strong> não devemos nada,<br />

vão nos levar para casa.”<br />

Durante o trajeto o silêncio era total. O major Demóstenes na frente com o motorista e<br />

nós duas atrás com um soldado armado de cada lado. Não sei se por ironia ou para<br />

“<strong>que</strong>brar o gelo”, Clara me perguntou: “Risomar, <strong>que</strong>m foi Demóstenes?” E respondi: “Foi<br />

um grande orador grego”. Lembro-me com exatidão dessa passagem, por<strong>que</strong> foram as<br />

únicas frases ditas durante todo o trajeto. Levaram-nos diretamente para o centro do<br />

Recife e lá descemos escoltadas em direção ao DOPS, chamando a atenção dos<br />

transeuntes.<br />

Quando entramos na<strong>que</strong>le prédio pintado de azul e branco senti <strong>que</strong> a coisa era séria e<br />

<strong>que</strong> possivelmente não sairíamos vivas da<strong>que</strong>la história. Sabia de vários casos iguais<br />

à<strong>que</strong>le com pessoas inocentes, <strong>que</strong> nunca tinham participado de nada e <strong>que</strong> só por<strong>que</strong><br />

tinham o mesmo nome de alguém envolvido no combate à ditadura, tinham sido presas,<br />

torturadas e mortas.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 435

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