06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

camuflado caminhando em nossa direção. Muito otimista, sempre pensando <strong>que</strong> nada<br />

ruim vai me acontecer, pensei: “Como eles são gentis, o outro sentinela deve ter avisado<br />

e eles e mandaram um soldado para nos acompanhar até o oficial...”<br />

Ledo engano. Não foi nada disso. Chegando até onde estávamos, o soldado nos disse,<br />

com cara de poucos amigos, <strong>que</strong> o acompanhássemos. Ainda sem maldade, lhe disse:<br />

“Vamos esperar só a chuva passar”. E ele muito mal-humorado, elevando a voz disse:<br />

“Vamos agora!” E eu: “Por quê?” “Por quê? Por<strong>que</strong> vocês estão detidas!” Eu, muito<br />

surpresa: “Detidas???” E ele: “Sim. Vocês fotografaram o comando!” E, com toda a<br />

delicadeza própria da<strong>que</strong>les tempos, reiterou: “Vamos logo!”<br />

Perplexa, tentei argumentar: “Mas moço, meu pai serviu aqui. Tirei uma foto para levar<br />

para ele... Nem sabia <strong>que</strong> ali ficava o comando. Pra mim, ali é o local onde eu patinava<br />

todas as tardes quando era criança...” E o soldado: “Isso vocês vão explicar pro tenente!”<br />

Na<strong>que</strong>la época, eu usava o cabelo repartido ao meio com uma só trança na parte de trás<br />

da cabeça. Estava com uma calça Lee e uma blusa tipo camisa, quadriculada em azul e<br />

branco e quando entramos no quartel estávamos completamente ensopadas. A roupa<br />

colada ao corpo. Começou ali nossa via crucis.<br />

Colocaram-nos em uma sala com dois janelões. Na porta, dois soldados com metralhadoras<br />

e mais um em cada janela também armados. Ficamos ali um bom tempo. A notícia da<br />

nossa presença na<strong>que</strong>la sala deve ter se espalhado pelo quartel, por<strong>que</strong>, em poucos<br />

instantes, dezenas de soldados das mais diferentes patentes iam espiar-nos. Os<br />

comentários eram os mais disparatados. Alguns se arriscavam a nos fazer elogios, mas a<br />

maioria ia direto às ofensas: “Estas são as duas terroristas? Universitárias... é tudo<br />

comunista!”<br />

Depois, fomos levadas para interrogatório. Uma em cada sala. Toda minha bolsa foi<br />

revistada. Tiraram fotocópia de tudo <strong>que</strong> havia dentro. Eu gosto de escrever com caneta<br />

preta e tinha uma Futura. O major <strong>que</strong> me interrogou tomou a caneta entre as mãos,<br />

afastou-a do corpo e abriu-a como se fosse alguma arma secreta, <strong>que</strong> expelisse algum<br />

gás mortal ou alguma lâmina, o <strong>que</strong> me levou a concluir <strong>que</strong> a<strong>que</strong>las canetas ainda não<br />

tinham chegado ao Recife.<br />

Pacientemente, ele leu cada uma das poesias <strong>que</strong> eu tinha escrito na parte externa da<br />

bolsa de couro cru <strong>que</strong> eu mesma tinha feito. Depois disse <strong>que</strong> eu lembrava muito a filha<br />

434

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!