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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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aceitam como definitivo. Conhecia-me e sabia de meus sentimentos, sabia de meus atos,<br />

sabia dos motivos <strong>que</strong> me levaram até ali. Muitas vezes, me <strong>que</strong>stionava se o <strong>que</strong> havia<br />

feito era o <strong>que</strong> eu sentia ou o <strong>que</strong> as pessoas achavam. Tinha <strong>que</strong> conviver com o<br />

preconceito de antigos companheiros e compreendê-los. Tinha <strong>que</strong> estar acima dessa<br />

condição normal. Tinha <strong>que</strong> entender os indicativos <strong>que</strong> levavam a esse sentimento de<br />

rejeição e estar acima dele, sofrê-lo. Deveria saber <strong>que</strong>, se eu estivesse do lado oposto,<br />

talvez tivesse o mesmo sentimento de <strong>que</strong>, apesar de os atos da<strong>que</strong>la vida terem ocorrido<br />

e sido motivados por sentimentos nobres, o <strong>que</strong> transparecia era covardia e traição.<br />

O limiar entre um ato de coragem ou de covardia é tão tênue <strong>que</strong>, muitas vezes, se<br />

confundem. Até <strong>que</strong> ponto o <strong>que</strong> eu achava ter sido um momento de coragem, na<br />

realidade, não havia sido um ato de covardia? Com relação a si próprio, o <strong>que</strong> é real?<br />

Aquilo em <strong>que</strong> você acredita ou o <strong>que</strong> os outros imaginam? Talvez, nem um nem outro.<br />

Como somos sujeitos a falhas e desvios de interpretação, é bem possível <strong>que</strong> nós nos<br />

analisemos com mais rigor e precisão do <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r um faria. A sociedade,<br />

provavelmente, avalia com base em estereótipos <strong>que</strong> não traduzem os sentimentos <strong>que</strong><br />

levam à<strong>que</strong>las iniciativas e decisões.<br />

A repressão, na<strong>que</strong>le momento, já dispunha de quase todas as informações do nosso<br />

modo operacional. Já conhecia todas as ações e <strong>que</strong>m delas havia participado, já tinha<br />

identificado quase a totalidade dos militantes.<br />

Depus armas e não me propus a entrar em cho<strong>que</strong> com os inimigos. Disse, para mim, <strong>que</strong><br />

a guerra havia acabado, <strong>que</strong> não <strong>que</strong>ria mais saber de nada a não ser da Gastone. Nos<br />

interrogatórios procurei relatar as coisas o mais fielmente possível, desde <strong>que</strong> resguardasse<br />

o <strong>que</strong> me parecia fundamental: a identidade de militantes e apoios <strong>que</strong> a repressão<br />

desconhecia. O <strong>que</strong> fiz.<br />

Meu comportamento, portanto, foi diferente do <strong>que</strong> teria sido no caso de prisão. Por<br />

estar em combate, eu sabia <strong>que</strong> seria morto se fosse preso, <strong>que</strong>r acreditasse ou não<br />

na<strong>que</strong>la luta. Partiria para o confronto a fim de abreviar o sofrimento, pois me havia<br />

preparado para ele.<br />

Hoje, vejo as pessoas mais suscetíveis, mais compreensivas com as fra<strong>que</strong>zas alheias e<br />

com as suas próprias vulnerabilidades. Entendendo <strong>que</strong> há possibilidade de o combatente<br />

fra<strong>que</strong>jar ante o inimigo, por<strong>que</strong> se debilita diante dos métodos brutais do adversário,<br />

capazes de vencer as maiores resistências físicas e psicológicas. Sua técnica de tortura era<br />

científica; desumana, mas científica, aprendida e ensinada, após o acúmulo de muitas<br />

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