06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

e mulheres <strong>que</strong> são capazes de dar a vida por um ideal, <strong>que</strong> lutavam por uma sociedade<br />

mais justa, sem exploração, sem miséria e por liberdade.<br />

Não acreditando mais na possibilidade de vitória, restava-me a alternativa de continuar<br />

a luta e morrer como um herói ou depor armas. Pelo meu temperamento, pela minha<br />

formação, faço parte dos <strong>que</strong> preferiam lutar até morrer a depor armas. Entretanto,<br />

depois da conversa com o sapateiro, como já relatei, recebi um insight, como em um<br />

despertar. O reencontro com a Gastone passou a ser meu maior objetivo.<br />

A luta armada, na<strong>que</strong>le momento, já a tinha como perdida. A Gastone era o <strong>que</strong> me<br />

restava encontrar, era a mulher e companheira <strong>que</strong> eu amava. Não havendo formas de<br />

encontrá-la por meio da família ou de advogados, só me sobrou a alternativa de me<br />

entregar para revê-la. Lembro <strong>que</strong> antes de ela descer do carro em <strong>que</strong> estávamos, eu a<br />

beijei e senti <strong>que</strong> ali estava dando meu último beijo. Pensei <strong>que</strong> se algo fosse ocorrer seria<br />

comigo, tanto <strong>que</strong> dei a chave de nosso quarto para <strong>que</strong> ficasse com ela.<br />

Ela passou a ser meu único objetivo de vida na<strong>que</strong>le momento. Sabia <strong>que</strong> me entregando<br />

nós seríamos torturados juntos, <strong>que</strong> tentariam desvendar nossas contradições com os<br />

métodos <strong>que</strong> eles conheciam. Estava disposto a pagar o preço. Fui resoluto, sabendo <strong>que</strong><br />

havia a possibilidade de ser morto. Fazia parte dos condenados à morte, tinha feito parte<br />

do 3º Exército da ALN, em Cuba, <strong>que</strong> era visto como o grupo de melhor aproveitamento<br />

técnico, físico e militar <strong>que</strong> a ALN havia mandado treinar. O preço a pagar pelo reencontro<br />

com a Gastone não importava.<br />

Lamentavelmente, ela tinha sido assassinada em um confronto com a repressão.<br />

Conforme <strong>relatos</strong> em livros, levou 38 tiros, dados por sanguinários e covardes agentes<br />

ligados ao Fleury e por ele próprio. Até hoje, não tive coragem de ver as fotos. Na cadeia,<br />

quando soube de sua morte, levei um cho<strong>que</strong> tremendo. Passei dias falando sozinho,<br />

chorando, <strong>que</strong>rendo entender o <strong>que</strong> havia acontecido e como havia acontecido. Levantei<br />

posições, possibilidades, cheguei a conclusões <strong>que</strong>, mais tarde, confirmei serem errôneas,<br />

mas eram os instrumentos de <strong>que</strong> dispunha na<strong>que</strong>le momento. Os companheiros mais<br />

próximos e os <strong>que</strong> conviveram comigo na prisão compreenderam.<br />

No entanto, com os demais, fi<strong>que</strong>i marcado pela pecha de ser um desertor, de trair os<br />

amigos e companheiros. Tudo em vão, pois ela havia sido assassinada. Como entenderem<br />

o <strong>que</strong> eu havia feito? As pessoas não conseguem entrar no pensamento e sentimento das<br />

outras. O <strong>que</strong> a primeira leitura, muitas vezes superficial, indica é o <strong>que</strong> as pessoas<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 429

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!