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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Deixei uma carta dizendo <strong>que</strong> havia encontrado uma possibilidade de tirar a Organização<br />

do buraco e <strong>que</strong>, como toda boa possibilidade, tinha seu risco. Dizia <strong>que</strong>, houvesse o <strong>que</strong><br />

houvesse, ela poderia ficar tranquila na<strong>que</strong>la noite, em casa, e marcava um ponto com<br />

ela às 8h. Se eu furasse esse ponto, <strong>que</strong> ela avisasse para desmobilizarem tudo <strong>que</strong> eu<br />

sabia da Organização, pois deveria ter sido preso.<br />

É claro <strong>que</strong> faltei a esse a aos pontos de segurança com todos. Peguei um ônibus, fui para<br />

o Rio e cheguei às 2h30min na casa de meus pais. Pulei o muro e bati na janela <strong>que</strong> meu<br />

pai sempre dizia <strong>que</strong> um dia eu bateria (coisa <strong>que</strong> nunca havia feito antes). Antes do<br />

amanhecer, fomos para um sítio do meu primo e por lá fi<strong>que</strong>i até o dia 8 de maio de<br />

1972.<br />

Neste período, pedi <strong>que</strong> meus familiares fizessem contato com a família da Gastone. A<br />

única resposta <strong>que</strong> tínhamos é <strong>que</strong> havia sumido, ninguém dava notícia, ninguém sabia<br />

de nada.<br />

Meu pai tinha um amigo médico muito influente. Vivia dizendo <strong>que</strong> havia conversado<br />

com o Dr. Raphael e <strong>que</strong> ele se prontificava a criar uma ponte para eu me entregar. Eu<br />

dizia <strong>que</strong> isso estava fora de cogitação, nem pensar num absurdo desse. Tinha toda a<br />

documentação com <strong>que</strong> havia entrado no Brasil e poderia sair com ela. Mas, e a Gastone?<br />

Cada vez a vontade de rever a Gastone era maior. Vinha na memória a imagem dela<br />

caminhando, meu olhar como se fosse a última vez <strong>que</strong> a via, toda nossa (curta) vida<br />

juntos.<br />

É bem provável <strong>que</strong> uma das maiores encruzilhadas da minha vida tenha sido me entregar<br />

para os órgãos de repressão, depondo armas, me expondo às críticas e incompreensões<br />

dos velhos companheiros. Já falei sobre isso em algum momento, mas retomo o tema,<br />

visto ser essa decisão uma das opções mais difíceis <strong>que</strong> tomei nessa trajetória do meu<br />

viver.<br />

Foi uma decisão de coragem apesar de parecer o contrário. Foi uma decisão de coragem,<br />

pois como deixei claro desde o primeiro momento, no contato com os meus carcereiros,<br />

minha decisão estava baseada em não acreditar mais na luta armada como vínhamos<br />

desenvolvendo; em estar certo de <strong>que</strong> seríamos derrotados militarmente, <strong>que</strong> seu<br />

prolongamento só deixava um rastro de dor irreparável, pois estávamos perdendo o <strong>que</strong><br />

havia de melhor e mais puro da sociedade brasileira. Os jovens <strong>que</strong> optaram pela luta<br />

armada, na<strong>que</strong>le momento da história do Brasil, pertenciam à elite pensante, aos homens<br />

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