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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Para ficar um pouco mais atuante, iniciei a confecção de uma apostila de sabotagem e<br />

explosivos, <strong>que</strong> repassaria aos companheiros. Comecei, também, a pesquisar sobre a vida<br />

do delegado Fleury e anotava tudo <strong>que</strong> encontrava sobre ele em um caderno.<br />

Dia 14 de abril de 72, a Sara me disse <strong>que</strong> ia chegar mais tarde. Nesse dia, eu havia<br />

comprado um relógio despertador para mostrar como se faz uma bomba relógio. No<br />

meio do caminho para casa, o salto do meu sapato caiu. Passei em um sapateiro e pedi<br />

<strong>que</strong> consertasse o sapato. Enquanto fazia o conserto, ele falava de muitas coisas e eu vi<br />

<strong>que</strong> ele entendia meu “português”. Esperei <strong>que</strong> ele terminasse o conserto, colo<strong>que</strong>i o<br />

sapato, paguei e comecei a dar algumas dicas sobre o governo, a ditadura, o combate à<br />

ditadura, até <strong>que</strong> ele me disse:<br />

- Meu filho, você está nessa? Saia disso. Eu fui anarco-sindicalista. Meus amigos estão<br />

todos mortos ou na miséria. Eu desafiava o poder de Deus. Dizia <strong>que</strong> se Deus existisse <strong>que</strong><br />

tinha cinco minutos para mandar um raio sobre mim e, passados os cinco minutos<br />

debochava de Deus.<br />

Contou-me <strong>que</strong> chegou um momento em <strong>que</strong> ele não conseguia fazer nada, <strong>que</strong> dormia.<br />

Estava trabalhando, dormia sobre os sapatos. Ia comer, dormia sobre o prato. Estava<br />

conversando, dormia durante a conversa. Tinha ido a tudo quanto é médico, em tudo<br />

quanto é lugar e não descobria a causa. Até <strong>que</strong> um dia, foi num centro espírita. Era um<br />

dia chuvoso e, em uma ladeira, o táxi teve muita dificuldade para chegar. Assim <strong>que</strong> o pai<br />

de santo incorporou, foi em direção a ele e disse:<br />

- O <strong>que</strong> esse gordo está fazendo aqui? Ele não acredita em nada.<br />

Ele achou estranho. Como o pai de santo podia falar aquilo? Ele não conhecia ninguém<br />

dali, fora sem avisar. Comentou <strong>que</strong> ele virou espírita e, politicamente, não atuava mais.<br />

Continuava rebelde, contra as injustiças, xingando todos os <strong>que</strong> não se revoltam e se<br />

deixam dominar.<br />

Saí dali pensando no <strong>que</strong> eu estava esperando. Ser preso e morto? Em um processo<br />

revolucionário em <strong>que</strong> eu não mais acreditava? Punido politicamente. Podendo procurar<br />

a Gastone.<br />

Fui para casa pensando em como fazer para a Sara poder dormir em casa sem correr risco<br />

de sair tarde da noite pela rua, quando não mais me encontrasse.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 427

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