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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Os garçons do Savoy, mais atentos <strong>que</strong> todos os atentos, comemoravam e, em igual<br />

movimento de comemoração, enchiam as mesas de cervejas e, entre as mesas, a dos<br />

nossos heróis. Que se achavam, na altura dos 20 minutos de jogo, os próprios terroristas<br />

disfarçados. Fantasiados de povo, a beber no Savoy, em jogo de Copa do <strong>Mundo</strong>. Mas não<br />

demoraram muito no disfarce, ainda <strong>que</strong> isto lhes parecesse uma eternidade. A máscara<br />

caiu aos 38, ainda no primeiro tempo da fantasia e da defesa.<br />

- Gol... foi gol... Porra, <strong>que</strong> merda! Presta atenção, seu porra! Manda essa bola pra tua<br />

mãe... - ouviu-se, foi-se ouvindo, aqui e ali, às costas, à frente, de lado, do teto e das<br />

paredes, do chão e da Avenida Guararapes.<br />

- Gol, foi gol...<br />

Um carrasco de nome Boninsegna havia driblado o nosso goleiro, o verdadeiro herói lá<br />

na televisão, e sem piscar enfiou o empate da seleção da Itália. Mário, o tático, assumiu<br />

então as suas características de sapo, por<strong>que</strong> inflou as bochechas e mal olhava, agora,<br />

para a pe<strong>que</strong>na tela, como se estivesse na iminência de coaxar. Anael lhe seguia, com<br />

movimentos na bochecha, à sua imagem e semelhança. Na verdade, à direita, à es<strong>que</strong>rda,<br />

acima e abaixo da ditadura, todos no Savoy ficaram meio sapo, de papo inchado,<br />

carrancudos, raivosos. Spineli, ao ver a geografia humana ao redor, susteve a frase na<br />

garganta, “futebol é alienação”, e achou mais prudente e natural, ficar em terra de sapo<br />

de cócoras com ele. Em silêncio, todos danaram-se a beber, <strong>que</strong> os garçons de Savoy<br />

serviam bem na alegria e na desgraça. Mercenários, tiravam partido da pátria em qual<strong>que</strong>r<br />

circunstância.<br />

Acabado o primeiro tempo, quase todos no Savoy tiveram a mesma ideia, por<strong>que</strong> se<br />

aglomeram no banheiro. Ambiente para lá de carregado, elétrico. Spinelli, magro e<br />

desengonçado, entra no círculo ácido do mijo. E até hoje ele não sabe por <strong>que</strong> razão, e<br />

até hoje ele oculta dos seus o momento raro do perigo <strong>que</strong> passou e <strong>que</strong> soubemos<br />

depois do abismo. Na volta do banheiro, em um corredor estreito e infernal, ele esbarra<br />

em um popular irado, nervoso e tenso. Esbarrou por acaso, por maldito azar, mas o<br />

popular, essa categoria ótima para uma tese, mas bem arisco ao vivo, assim não entendeu.<br />

- Tá cego? - E empurrou o nosso amigo contra a parede.<br />

Spinelli, alto para os padrões do Recife, lutador de judô em aulas clandestinas, por<strong>que</strong>,<br />

assim, faria a segurança nas passeatas, reagiu ao empurrão. Ou seja, empurrou o popular<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 413

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