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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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possíveis. Estávamos em uma ditadura militar, o ditador Médici utilizava a seleção como<br />

uma arma da Pátria contra o comunismo e dizia aos maus brasileiros, aos subversivos, aos<br />

terroristas, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nas fotos, os olhos claros do ditador, os vincos a<br />

descer na sua carranca possuíam a expressão de um vampiro.<br />

Em 21 de junho de 1970, portanto, o clima não era bom, não podia, não deveria ser bom.<br />

Para os <strong>que</strong> andavam de mal com a ditadura, o tempo não estava bom. Apesar de cair em<br />

um domingo. Meus amigos Mário Sapo, Spinelli e Anael bem <strong>que</strong> procuraram ocupação<br />

mais digna <strong>que</strong> ver a final da Copa do <strong>Mundo</strong>. Missão, como o título de um seriado da<br />

televisão da época, missão impossível. Ainda <strong>que</strong> fossem a um convento, entre as orações<br />

e cânticos dos frades santos, não conseguiriam. Havia um clima, essa expressão <strong>que</strong><br />

viemos a conhecer depois. Mas era mais <strong>que</strong> “um clima”. Havia uma final de copa do<br />

mundo escrita nas nuvens, no céu, no mar. O selecionado brasileiro de futebol estava em<br />

todas as coisas. Nos jornais, na televisão, no cinema, nas escolas, nas ruas, no amor, nas<br />

conversas. Aliás, outro assunto não era possível, com base em todo e qual<strong>que</strong>r tema.<br />

– E a seleção? - perguntava-se a troco de nada e o rumo na conversa mudava.<br />

Para complicar, havia um complicador, se nos permitem a complicação. Havia um<br />

complicador para o alheamento dos amigos à<strong>que</strong>la imensa alienação, à<strong>que</strong>la estupidez<br />

da alienação dos povos, à<strong>que</strong>le ópio dos ignorantes: a Copa do <strong>Mundo</strong> de 1970, assim<br />

mesmo, em maiúsculas, era a primeira Copa transmitida pela televisão. “Ao vivo”, como<br />

diziam. Do México, com imagens transportadas de um satélite. O <strong>que</strong> bem poderia ser<br />

dito por João Saldanha: “Meus amigos, toda realidade exterior ao futebol hoje está<br />

suspensa”.<br />

Missão impossível para Mário, Spinelli, Anael e todos os militantes socialistas do Brasil.<br />

Em algum lugar deve haver uma lição da dialética <strong>que</strong> ensina: se as missões se tornam<br />

impossíveis, o melhor é conviver com a sua impossibilidade. Mas não sabíamos disso<br />

então. Esta página ainda nos era arrancada ou devia estar escrita em sânscrito intraduzível.<br />

Ninguém nos disse. Mário, o mais velho de nós, teve um primeiro recuo tático.<br />

- Olha, a massa está sendo manipulada. A ditadura está usando esse jogo para sair<br />

fortalecida.... – primeira parte do discurso, indispensável, para não ser execrado. - ...<br />

Agora... – segunda e problemática parte, a mais importante. - ... Agora, a gente não pode<br />

ser contra a massa. A gente não pode ser contra o povo. Se o povo está assistindo...<br />

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