06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Eu ficava só rindo do abestalhado. Aproveitamos esta palhaçada e fingimos <strong>que</strong><br />

começamos a namorar durante as visitas. Dessa forma, eu pude levar roupas limpas e,<br />

sobretudo, acompanhar o processo.<br />

Aí pelo mês de outubro, o Acioly começou a achar <strong>que</strong> ali tinha alguma coisa estranha e<br />

mandou o policial me chamar. Talvez tenha sido por causa de alguma denúncia, pois era<br />

uma época ruim, todos os aparelhos estavam caindo, gente se exilando, sumindo,<br />

morrendo. Não sei.<br />

Alguma bruzundanga deu entre eles. Nunca soube bem o quê, mas o tal do cabo Mota<br />

passou feito bala na minha frente com cara de zangado e berrou:<br />

- Você não sabe o problema <strong>que</strong> me trouxe.<br />

Fiz a cara mais inocente <strong>que</strong> pude durante o interrogatório <strong>que</strong> me fez o tal chefe <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>ria saber como eu conheci Abiasafe, onde ele morava, onde morava a família dele,<br />

<strong>que</strong>m eram os amigos dele.<br />

- E eu lá sei seu delegado!<br />

- Nunca o vi antes, seu delegado! Eu vim aqui visitar um amigo de infância. Foi o cabo<br />

Mota <strong>que</strong> deu umas “sugestas” para ele namorar comigo e eu com ele.<br />

Saí de lá e fui m’embora para casa da Mércia. Fi<strong>que</strong>i lá umas horas depois voltei para<br />

casa.<br />

Ainda arris<strong>que</strong>i, mas já com cagaço, a visita seguinte. O delegado ficou por ali, olhava-me<br />

de soslaio, matreiro, fingindo desinteresse. Não aguentou e perguntou onde eu estudava,<br />

o <strong>que</strong> eu fazia, se eu já conhecia alguém ali na<strong>que</strong>le grupo. A imagem de Millor Fernandes<br />

me apareceu na memória e me sussurrou ao pé do ouvido: “Herói é um covarde <strong>que</strong> não<br />

teve tempo de fugir”.<br />

M’bora arranjar um tempinho e cair no mundo, minha nega? E... sebo nas canelas, só<br />

apareci de novo em Recife oito anos mais tarde, em 1980, depois do Chile, depois da<br />

prisão na Argentina, depois do exílio na Bélgica, depois da anistia.<br />

Foi um dia de festa.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 405

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!