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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Nem sei como, mas, rapidamente, começamos a namorar. Pouco tempo depois, ele sumiu.<br />

Desapareceu sem deixar rastro. Mistério total. Foi em abril de 1972. Soube, por um<br />

companheiro <strong>que</strong> tivera a informação, <strong>que</strong> ele estava preso e <strong>que</strong> era melhor eu dar um<br />

tempo, “me esconder”. Abi na tortura! Que coisa absurda, era uma criança! Foi sendo<br />

muito torturado e, pelo <strong>que</strong> soube, a pessoa <strong>que</strong> o denunciou havia falado da namorada,<br />

a “Maga”. Mas ele negou <strong>que</strong> tivesse namorada alguma.<br />

Por precaução, avisei à minha mãe e ela escondeu o meu maior crime contra os 250 mil<br />

milicos da segurança nacional: livros e discos! Marx, Lenine, Gorky, este último eu<br />

adorava. Chico, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, Gil, Caetano.<br />

De escola não, mas sempre gostei de livros e discos. Esconderam-me em um convento de<br />

freiras do Recife. Pouco depois, o processo dos 22 militantes do PCBR foi publicado nos<br />

jornais da capital. Nele estava o Abiasafe. Eles foram levados para tortura durante dois<br />

meses e, em seguida, mantidos em prisão preventiva na Secretaria de Segurança Pública<br />

do Estado de Pernambuco, na Rua da Aurora, em Recife. Ao perceber <strong>que</strong> Abi não “tinha<br />

cantado”, eu tive a ideia (ou dei a doida) de ir visitá-lo na cadeia.<br />

Espreitei a situação e procurei saber <strong>que</strong> pessoas visitavam os presos. Pouco depois,<br />

conheci uma moça de Caruaru na casa da advogada Mércia de Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. Logo fiz<br />

amizade com ela, <strong>que</strong> tinha um irmão no processo. Convidaram-me a almoçar e, conversa<br />

vai conversa vem, falei do Abiasafe. Convenci a mãe dela de <strong>que</strong> devia levar-me na<br />

próxima visita e <strong>que</strong> seria fácil enganar a vigilância dos policiais por<strong>que</strong> era amiga de<br />

infância de um dos presos. Podia dizer <strong>que</strong> ia visitá-lo. Elas acharam maluquice, mas me<br />

ajudaram.<br />

E não fui uma só vez não, fui muitas! Quase o tempo todo em <strong>que</strong> durou a preventiva. O<br />

plano consistia em fingir <strong>que</strong> ela me apresentava ao Abiasafe. Assim, ela procedeu. Na<br />

sala das visitas, permanecia sempre um policial <strong>que</strong> vigiava todo mundo. Ela apresentounos<br />

bem ostensivamente, na frente dos policiais, para ter um álibi em caso de <strong>que</strong><br />

desconfiassem. Não lembro qual foi a reação de Abi, mas deve ter ficado surpreso de me<br />

ver ali. Fui algumas vezes à visita com essa amiga. Pouco depois, comecei a ir sozinha. O<br />

próprio policial, acho <strong>que</strong> se chamava Mota, começou a fazer brincadeiras comigo e<br />

Abiasafe, sugerindo <strong>que</strong> namorássemos.<br />

- O Abiasafe está sozinho aqui. Por <strong>que</strong> não namora com ele?<br />

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