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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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jogavam fortes jatos de mangueira. Deixavam-na ali, gelando de frio por muito tempo<br />

até começar o interrogatório, sem se enxugar.<br />

O interrogatório, como eu soube depois, era sempre o mesmo: onde estava o namorado,<br />

se ele merecia o sofrimento dela, se ela não preferia estar em casa, seca bem alimentada<br />

e com todo o conforto; <strong>que</strong>, se ela estava gostando de viver entre ratos e baratas, “tomar<br />

banho” durante a noite, ser impedida de dormir; <strong>que</strong> eles poderiam “melhorar as coisas”:<br />

em vez de uma refeição por dia, passariam para dia-sim e dia-não.<br />

Lúcia pediu-me para ver o <strong>que</strong> eu poderia fazer para ajudá-la. Eu conhecia gente do<br />

governo, mas como era um governo “eleito” pela ditadura, de nada adiantaria. Entretanto,<br />

como eu considerava o pessoal <strong>que</strong> trabalhava na empresa, como a “minha turma”, fui<br />

até o quartel para falar com os oficiais e tentar alguma coisa.<br />

Não me deixaram ver Lícia e muito menos falar com ela, mas afirmaram <strong>que</strong> ela estava<br />

bem, <strong>que</strong> nada havia contra ela e <strong>que</strong>m eles <strong>que</strong>riam era o namorado. Como estavam<br />

convencidos de <strong>que</strong> ela não sabia de nada (“Foi preciso tortura para se convencerem” -<br />

pensei), mais uns dias ela seria libertada.<br />

Saí dali com um grande mal-estar, sentindo-me impotente por não ter conseguido fazer<br />

nada por Lícia e certo de <strong>que</strong> esses “mais uns dias” seriam para ela se recuperar um<br />

pouco, para não sair de lá com uma aparência tão ruim como sua irmã me havia descrito.<br />

Mais ainda, tendo quase certeza de <strong>que</strong> seria solta apenas para ser seguida, até entrar em<br />

contato com o namorado, se é <strong>que</strong> tal contato iria mesmo ocorrer.<br />

Tive notícias dela por sua irmã Lúcia <strong>que</strong> me disse <strong>que</strong> ela – graças a Deus – havia voltado<br />

para casa e <strong>que</strong> tinha dito <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria ir para bem longe dali.<br />

Outra notícia somente tive quando um agente da repressão me procurou dizendo <strong>que</strong><br />

realmente ela havia sido solta. Ele explicou <strong>que</strong> a moça estava sob vigilância cerrada, na<br />

expectativa de <strong>que</strong> levasse os policiais até o namorado. Entretanto, não sabia como, ela<br />

havia despistado os agentes <strong>que</strong> a seguiam e havia desaparecido.<br />

Então, estava ali para me pedir <strong>que</strong>, se ela entrasse em contato comigo (e eles saberiam<br />

se isso ocorresse), eu me comunicasse com eles imediatamente, com informações <strong>que</strong><br />

permitissem localizá-la. Para mim, esse “pedido” soou como ameaça.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 399

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