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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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se recuperava no Hospital das Clínicas do tiro <strong>que</strong> levara, foi se<strong>que</strong>strado e levado para o<br />

Hospital do Exército e lá, após 55 dias de tortura, faleceu.<br />

Logo depois, o outro irmão, Ro<strong>que</strong>, foi trocado pelo embaixador suíço Giovanni Bucher<br />

e partiu para o exílio no Chile.<br />

Todos a<strong>que</strong>les acontecimentos provocaram na<strong>que</strong>le adolescente uma fase de grande<br />

amargura, <strong>que</strong> acompanhei de perto até o dia em <strong>que</strong> ele partiu para o exílio, esse<br />

voluntário, para juntar-se ao irmão <strong>que</strong> vivia, então, na Suécia. Mas nossa amizade não<br />

se encerrou aí. Pelo contrário a cada dia tornou-se mais forte.<br />

Em 2001, ele descobriu <strong>que</strong> era vítima de câncer e durante o longo período da doença<br />

me ligava fre<strong>que</strong>ntemente de Estocolmo. Nos últimos dias do José, quando a morte já se<br />

aproximava, Ro<strong>que</strong> foi para lá, em uma espécie de despedida e, quando o José já não<br />

falava ao telefone, era ele <strong>que</strong> me ligava para dar notícias do irmão. Lembro-me,<br />

nitidamente, dos três últimos telefonemas dele, de Estocolmo: o primeiro, para pedir um<br />

chá <strong>que</strong>, ironicamente se chama “Tempo de dormir”. José já estava nas últimas e eu fi<strong>que</strong>i<br />

tão afobada com a urgência <strong>que</strong>, em vez de dizer <strong>que</strong> enviaria o chá por sedex, disse <strong>que</strong><br />

enviaria por fax. Percebendo meu erro, Ro<strong>que</strong> riu e disse: “Não! Envia por e-mail <strong>que</strong><br />

vem mais rápido...”<br />

No dia seguinte, ele me ligou para pedir para acender uma vela <strong>que</strong> o irmão estava<br />

partindo. Eu mal tinha acendido a vela e toca o telefone. “O Zé acaba de partir. Você avisa<br />

às minhas irmãs?”<br />

Hoje, revivendo toda essa história, sinto <strong>que</strong> o convívio com a<strong>que</strong>le adolescente sensível,<br />

afetivo e cheio de vida foi talvez a melhor coisa <strong>que</strong> vivi durante o terrível período da<br />

ditadura militar. Sim, sem saber, a ditadura me presenteou com um amigo. Um amigo de<br />

verdade. O mais importante de minha vida.<br />

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