06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1969... Pertencia ao Setor de Agitação e Propaganda do PCBR. Levantamentos para a<br />

Propaganda Armada, Ações de Propaganda Armada, Apoio ao Comando Político-Militar<br />

do Partido, essas eram as minhas preocupações cotidianas. A<strong>que</strong>le apartamentinho no<br />

Leblon <strong>que</strong> eu dividia com o Rogério, onde, em um armário do corredor, escondíamos<br />

todo o arsenal de treinamento militar do Partido. Algumas armas velhas <strong>que</strong> serviam<br />

para nos dar a impressão de <strong>que</strong>, muito em breve, estaríamos no início do processo <strong>que</strong><br />

levaria finalmente à derrubada da ditadura e a um Governo Popular Revolucionário!<br />

1969... Escolhi uma pistola 765 como companheira. Deixava sempre uma bala na agulha<br />

em caso de qual<strong>que</strong>r emergência. Era meu aniversário. Havia treinamento militar e eu<br />

tinha <strong>que</strong> levar as armas. O Rogério pegou a pistola. Não sabia da bala na agulha. Puxou<br />

o gatilho como um menino faz com uma arma de brin<strong>que</strong>do. Atirou em mim. Era horário<br />

de novela e ninguém escutou. A bala raspou minhas costas, rasgando o colete grosso <strong>que</strong><br />

através do através do através conseguira receber da minha corajosa mãe, ricocheteando<br />

na janela, <strong>que</strong>brando a vidraça e caindo finalmente no chão.<br />

1969... O movimento social murchara com a repressão <strong>que</strong> se seguiu ao AI-5. O movimento<br />

estudantil já praticamente não existia. Assim como eu, muitos já se encontravam,<br />

forçosamente, vivendo na clandestinidade. Já liam e aprendiam a cartilha do matar ou<br />

morrer. Minhas ilusões haviam terminado. Já não seria mais diplomata. Na verdade, nem<br />

sabia o <strong>que</strong> seria. E para falar a verdade, já não mais me importava com isso. Alguma<br />

coisa seria. Não estava jogando para perder!<br />

1969... Ano das grandes trepadas com o Joaquim na rede do esconderijo em Laranjeiras,<br />

na casa do Luciano, nos banheiros <strong>que</strong> encontrávamos, na rua, em qual<strong>que</strong>r lugar <strong>que</strong><br />

conseguíssemos. A descoberta do sexo livre e prazeroso. Sensações ines<strong>que</strong>cíveis <strong>que</strong><br />

carregaria pela vida afora.<br />

1969... Desenhava e estudava mapas. Avaliava estratégias militares. Era como se<br />

finalmente estivesse brincando com os soldadinhos de chumbo do meu irmão. Já <strong>que</strong> as<br />

bonecas me haviam sido proibidas... Que maldade! Jogadas ao chão e soterradas como<br />

larvas...! Tornei-me dura. Mas não a ponto de não cometer atos rasgados de indisciplina<br />

<strong>que</strong> poderiam ter-me custado a vida, mas <strong>que</strong>, na verdade, transformaram-se em<br />

memórias deslumbrantes da<strong>que</strong>le ano sinistro.<br />

1969... Éramos um grupo inseparável. Mais ou menos umas oito pessoas. A cada momento<br />

de tensão, a cada sensação de perigo encontrávamo-nos no Bar Bem, em São Conrado,<br />

e fazíamos fila para entrar no fusquinha da Celina, para ouvir a<strong>que</strong>la fita de sacanagem<br />

na voz do Paulo Silvino. Ali ficávamos horas e fazíamos rodízio, brigando por nosso<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 383

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!