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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Um dia, na<strong>que</strong>le aparelho, a bolsa d’água arrebentou. Estávamos em casa eu e uma<br />

empregada epilética, <strong>que</strong> teve coragem para me acompanhar por quase três anos,<br />

sabendo da minha situação e do perigo <strong>que</strong> ela também corria.<br />

A Tatiana nasceu em abril de 70. O clima na maternidade era de muita tensão. Acabava<br />

de ser preso um companheiro médico <strong>que</strong> trabalhava na mesma instituição e <strong>que</strong>,<br />

inclusive, iria ajudar o médico simpatizante <strong>que</strong> fez minha cesariana. A repressão rondava<br />

a maternidade exatamente na<strong>que</strong>les dias e a porta do meu quarto era mantida trancada<br />

“por ordem médica”. À noite, enquanto eu permaneci no hospital, meu médico ficava no<br />

meu quarto, juntamente com o Lincoln, até bem tarde.<br />

Alguns meses depois, com Tatiana ainda bebê, cheguei por acaso na janela desse<br />

apartamento em Botafogo e vi dois carros típicos da repressão. Tudo já estava preparado<br />

para estes casos de saída super rápida: meus disfarces, a bolsa da Tatiana, as recomendações<br />

em relação ao destino dela e da empregada. Importante: o tempo <strong>que</strong> eu iria resistir à<br />

tortura, <strong>que</strong> fosse suficiente para <strong>que</strong> todos tomassem seus rumos, evidentemente,<br />

desconhecidos para mim. Disse apenas:<br />

- Fulana, saia com a Tatiana pela porta da garagem e não olhe nem pra trás. Eu vou sair<br />

pela portaria social e vou ser presa.<br />

Não acreditei. Estava na portaria um porteiro novo <strong>que</strong> não me conhecia. E os “homens”<br />

já estavam falando com ele. Passei, mas pensei “tem mais deles lá fora e aí não vai ter<br />

escapatória”. Mas passei também. Andei até a esquina e desapareci, ainda não acreditando<br />

e me beliscando para ver se era verdade <strong>que</strong> eu havia escapado. Logo depois liguei para<br />

alguns companheiros para fazermos o cerco para <strong>que</strong> o Lincoln não fosse preso quando<br />

chegasse em casa.<br />

Nunca mais voltamos a este apartamento. Foi a segunda casa <strong>que</strong> abandonamos. Já era<br />

1971 e a repressão aumentava cada vez mais. Era preciso encontrar um lugar barato, pois,<br />

a esta altura, a situação estava muito difícil. Era preciso uma região em <strong>que</strong> o nosso estilo<br />

de vida não levantasse muitas suspeitas. Fomos morar, então, em Bonsucesso, em um<br />

apartamento de porteiro, tipo conjugado. Eu, sem outra alternativa, continuava<br />

trabalhando, contando com as licenças médicas e a simpatia do pessoal das escolas. O<br />

interessante é <strong>que</strong> eu não dizia nada, para minha própria segurança, mas as pessoas<br />

percebiam e, mesmo mudas, ajudavam. A área em <strong>que</strong> se situava este apartamento era<br />

fre<strong>que</strong>ntada por prostitutas, apontadores de bicho e, creio, também por bandidos.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 377

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