06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>que</strong>riam influir por meio da profissão. E todos sabiam o <strong>que</strong> estavam fazendo. Alguns ali<br />

se filiaram a organizações de es<strong>que</strong>rda, outros foram para a clandestinidade e muitos<br />

participavam na medida de suas possibilidades, ajudando aqui e ali, visitando presos,<br />

abrigando <strong>que</strong>m corria riscos, participando de reuniões.<br />

Na verdade, a movimentação <strong>que</strong> tomava feitio de protesto diante do regime estabelecido<br />

era uma coisa extremamente arrebatadora, contagiante e emocional – mas nem por isso<br />

menos verdadeira, por<strong>que</strong> os riscos eram óbvios, muito bem conhecidos e facilmente<br />

identificados. A grande maioria tinha a sobrevivência assegurada e eu me lembro <strong>que</strong><br />

havia uma forte unidade de pensamento.<br />

O cenário da redação parecia a ma<strong>que</strong>te do país, por<strong>que</strong> tudo o <strong>que</strong> acontecia passava<br />

por lá, sobretudo o <strong>que</strong> era censurado e não chegava à edição do dia seguinte, mas ficava<br />

conosco, reunidos depois do trabalho pra discutir os destinos do país – todos nós tão<br />

cheios de certezas inúteis. As relações humanas tecidas ali eram de uma ri<strong>que</strong>za ímpar,<br />

por<strong>que</strong> reuniam num mesmo espaço e num mesmo tempo os reflexos de uma nova<br />

ordem no comportamento. Tudo muito visível, sem ciência ou filosofia para explicar.<br />

Cada um tinha ali sua própria beleza e sua própria sabedoria. A coincidência histórica –<br />

revolta da juventude em tantos países – revestiu a<strong>que</strong>la geração de uma aura muito<br />

particular, diferente e marcante. Talvez por isso sobreviva até hoje, embora não se tenha<br />

disso uma explicação definitiva.<br />

Os conflitos pessoais passavam a ser coletivos, o mundo inteiro parecia caber na<strong>que</strong>la<br />

redação e, se me detenho nela, é por<strong>que</strong> sinto a<strong>que</strong>le tempo como único. Mudanças<br />

bruscas dentro de um tempo tão pouco.<br />

Passei, também, por uma prisão, rápida e casual, <strong>que</strong> não provocou maiores se<strong>que</strong>las, mas<br />

<strong>que</strong> me fez enxergar <strong>que</strong> nunca estamos tão a salvo, seja em <strong>68</strong> ou 2008. Chico Buar<strong>que</strong><br />

diz isso de forma brilhante em sua Roda Viva – a canção. Para mim, nada mais <strong>68</strong> do <strong>que</strong><br />

Roda Viva, verso por verso, acorde por acorde. É só conferir.<br />

Fui presa com Helber Rangel (ator, falecido em março de 2005), uma prisão <strong>que</strong> não foi<br />

consequência de nenhuma vinculação política ou ideológica. Ele me acompanhava a<br />

uma consulta médica no Hospital Carlos Chagas. Na saída, uma confusão geral na praça<br />

em frente. Não conseguimos saber a razão. No caminho de volta, passamos a ser seguidos<br />

por quatro carros, todos com placa corrida (placa fria, falsa). Não tinha paranóia, não<br />

tinha engano - o negócio era com a gente. Faltava saber o porquê. Não houve tempo.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 367

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!