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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Continuamos a caminhada até meu prédio e os homens <strong>que</strong>riam subir. Pedi-lhes <strong>que</strong><br />

aguardassem <strong>que</strong> eu traria a mala, pois poderiam assustar minha mulher.<br />

Puxei a fatídica mala com dificuldade pelo corredor até o elevador. Estava livre de um<br />

grande transtorno, assim pensava. Perguntei-lhes se seria incomodado. A reposta foi<br />

lacônica:<br />

- O senhor será convidado a comparecer à Ilha das Flores para depoimento.<br />

Ilha das Flores, o sofrimento, futuro incerto, o fim da estrada para muitos.<br />

Quando Paulo foi preso (soube muito tempo depois), não posso precisar esse momento,<br />

mas tudo indica <strong>que</strong> sim, o anônimo companheiro de aparelho, <strong>que</strong> até hoje não descobri,<br />

acuado e desesperado, após o estouro do apartamento pelas forças da repressão, jogouse<br />

para a morte do nono andar. Não sei, mas no lugar dele poderia estar eu, se aceitasse<br />

o convite do Paulo. Seria mais um dos desaparecidos, sem nome, como jovens lembrados<br />

somente pelos familiares, <strong>que</strong> desfilam periodicamente com a bandeira “Tortura Nunca<br />

Mais”.<br />

Após esses acontecimentos, quando ia para o trabalho no meu fusquinha, percebia <strong>que</strong><br />

sistematicamente era seguido no trajeto Lopes Quintas-Lavradio-Lopes Quintas,<br />

diariamente.<br />

Finalmente, chegou o “convite” através de um comunicado para comparecimento à Ilha<br />

das Flores. Uma embarcação da Marinha estaria à minha espera no cais da Praça Mauá.<br />

Fui acompanhado de papai, <strong>que</strong> era aposentado da Polícia Federal e tinha conhecimento<br />

em várias esferas policiais. Contei-lhe tudo e não sei o <strong>que</strong> fez, mas estou vivo até hoje...<br />

Antes de partir, me despedi de minha mulher, dos meus dois filhinhos, de cinco e três<br />

anos, e de minha mãe. Choradeira total. Parti como se fosse para um cadafalso.<br />

Lá chegando, fui submetido a um estafante interrogatório, mais ou menos em torno de<br />

duas horas. Eles haviam esquadrinhado toda a minha vida. Respondi com uma calma<br />

inexplicável, talvez conformado com o meu destino. Relatei o ocorrido tintim por tintim<br />

e, parece, o meu depoimento casou com o do Paulo.<br />

Terminada a inquirição, a<strong>que</strong>le mesmo chefão do consultório perguntou-me:<br />

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