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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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esgatados. A memória sentir-se-ia poltrona caso renunciasse aos ditames de si mesma.<br />

Foi aqui perto de mim, onde passo todos os dias, distinguindo num banco de praça, os<br />

coturnos de soldados do exército, pisando na grama, mais fortes <strong>que</strong> o piso de cimento<br />

já estropiado, em volta do tan<strong>que</strong> com um jacaré moldado num cimento branco.<br />

A Praça do Jacaré, em Olinda, logo será ocupada por troças de carnaval; já foi ocupada<br />

por uma milícia verde-oliva, tão raivosa quanto o jacaré real <strong>que</strong> inspirara a mão do<br />

escultor. A viatura estacionou na avenida em frente, em frente ao Colégio São Bento,<br />

com alunos ignorando os instintos liberticidas dos oficiais desaquartelados.<br />

Frederico tinha pouco mais de dezessete anos. Junto com outros de sua idade, pôs-se a<br />

vibrar a corda do violão recém-comprado; comprara com o dinheiro obtido dando aulas<br />

a vizinhos carentes de informações sobre regra de três, equações. Não tinham dinheiro<br />

para pagar o cursinho particular, valiam-se da habilidade de Fred no manejo de cálculos.<br />

Os soldados, à frente um oficial, bateram com a porta da viatura. O ruído confundiu-se<br />

com o dos motores em marcha na avenida. Os rapazes não se deram conta, visto <strong>que</strong> a<br />

viatura, verde-escura, misturava-se, camuflava-se na penumbra das poucas luzes na<br />

avenida.<br />

Frederico Carlos, cujo último nome é o mesmo do autor do presente texto, fora inquirido<br />

pela mãe, dois dias antes, sobre como comprara o violão, um instrumento caro. A velha<br />

Dudinha, entretida nos quitutes da cozinha, na costura de uma máquina Singer já fora<br />

de linha, não desconfiara, jamais suspeitara de <strong>que</strong> o filho fosse capaz de amealhar por<br />

um ano; para comprar não um custoso DiGiorgio ou um Giannini, mas um violão<br />

ordinário, de marca desconhecida como o Tonante. Voltou, ele, do colégio, almoçou sem<br />

mastigar direito e foi para Recife. Comprou o violão na primeira loja, para não perder<br />

tempo com pesquisa de preços; comprou com a ansiedade dos moços.<br />

Os soldados se acercaram dos rapazes sentados, ouvindo, apreciando o instrumento<br />

novo. Convém dizer <strong>que</strong> violão era instrumento de subversivos, visto <strong>que</strong> com ele alguns<br />

artistas se atreviam a compor músicas com letras sediciosas.<br />

- Que reunião é essa aí!? – quis saber o soldado.<br />

Se violão era instrumento inconfiável, o <strong>que</strong> dizer de uma reunião de moços numa praça<br />

de uso popular? Oscar, o professor de violão, foi o primeiro a assustar-se; não demoraria<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 353

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