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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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novas sessões de tortura, para alguma acareação ou para um “bate papo”, como eles<br />

denominavam essas “conversas”. Nelas, alguns deles tentavam nos convencer de <strong>que</strong> as<br />

torturas eram necessárias e nos perguntavam:<br />

- Vocês falariam alguma coisa se não houvesse essas “pressões”?...<br />

Nesses “bate-papos” tentavam, ainda, jogar-nos umas contra as outras ao insinuarem<br />

sobre alguma de nós:<br />

- Mas você tem certeza da militância dela? Você confia mesmo nela?...<br />

Uma vez, de madrugada, fui retirada da cela, levada para o pátio, amarrada, algemada e<br />

encapuzada... Aos gritos, disseram-me <strong>que</strong> eu iria ser executada e levada para ser<br />

“desovada” como em um “trabalho” do Esquadrão da Morte... Acreditei... Na<strong>que</strong>le<br />

momento, morri um pouco... Em silêncio, aterrorizada, urinei-me... Aos berros, riram e me<br />

levaram de volta à cela... Parece <strong>que</strong> na<strong>que</strong>la noite não tinham muito “trabalho” a fazer<br />

... Precisavam de ocupação...<br />

Algumas mulheres <strong>que</strong> demonstravam maior resistência às torturas eram “premiadas”:<br />

sempre estavam sendo chamadas para os “bate-papos” de madrugada. Esse foi o caso de<br />

Dulce Pandolfi, minha <strong>que</strong>rida companheira de cela. Eram utilizadas como cobaias em<br />

aulas para novos torturadores.<br />

Parece <strong>que</strong> foi ontem... Essa e muitas outras histórias continuam em nós, marcadas a<br />

ferro e fogo... Fazem parte de nossas vidas... Falar delas é ainda duro e difícil demais...<br />

Parece realmente <strong>que</strong> foi ontem, hoje, agora... Envolvemo-nos, desde então, direta e/ou<br />

indiretamente na luta contra a ditadura de corpo e alma. Foi, sem dúvida a experiência<br />

– não só a da tortura, mas a da militância na<strong>que</strong>les anos – mais visceral de toda a minha<br />

vida e <strong>que</strong> me marcou para sempre.<br />

Nós, mulheres <strong>que</strong> atuamos – na vanguarda ou na retaguarda, não importa – na<strong>que</strong>le<br />

intenso e terrível período, derrubamos muitos tabus, vivemos intensamente a presença<br />

assustadora da morte, a ousadia de desafiar e enfrentar um Estado de terror, a coragem<br />

de sonhar e <strong>que</strong>rer transformar esse sonho em realidade.<br />

Acreditávamos... Sim, <strong>que</strong>ríamos um outro mundo, outras relações, outras possibilidades...<br />

e <strong>que</strong>remos hoje.<br />

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