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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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15.12 o Coldre<br />

Zé Gradel<br />

Pressionado pelas circunstâncias, decide uma vez mais começar o relato dos<br />

acontecimentos de tantos anos atrás, de tantas vidas atrás, de tantos. Contará o <strong>que</strong><br />

lembra, como lembra. Será <strong>que</strong> foi realmente assim? Estará recriando, para melhor, uma<br />

história sem tanto interesse, ou estará es<strong>que</strong>cendo a parte mais interessante de uma<br />

história <strong>que</strong> mal lembra?<br />

Acaso importa? O <strong>que</strong> sempre lemos não é o resultado de um processo semelhante? O<br />

relato perfeitamente fiel é apenas uma gravação, sem imagens nem cheiros, sem suor<br />

nem desejos, sem parcialidade e sem a marca pessoal das coisas <strong>que</strong> <strong>que</strong>remos es<strong>que</strong>cer.<br />

O <strong>que</strong> lembra é importante, o <strong>que</strong> es<strong>que</strong>ce/oculta/renova/muda é mais ainda, mas não<br />

será desta vez <strong>que</strong> virá à tona.<br />

Era verão. Isso é essencial para a história. De uma adolescência multifacetada resgata o<br />

endereço de uma loja de armas na Rua Marechal Floriano e, lá, encontra/compra um<br />

coldre de sovaco, de couro, como usavam os detetives das séries, duas tiras <strong>que</strong> passam<br />

pelos ombros, axilas, e se cruzam nas costas. Ideal para o 38 de Quitaúna, cano longo, <strong>que</strong><br />

tanto se denunciava na cintura magra do jovem apaixonado. Uma camisa social, o coldre,<br />

um paletó usado uma única vez no casamento de uma prima, o fusca “puxado” no dia<br />

anterior, e Don Quixote cavalga lépido pelas ruas da Gávea.<br />

Expropriação de uma multinacional, segunda de manhã. Cenário perfeito. Tudo dá certo.<br />

Rota de fuga: acompanha o carro da ação até o lugar combinado, troca de placas, se<br />

separa e percorre a orla. Leblon, Ipanema, Copacabana, Aterro, Perimetral: 36 graus.<br />

Engarrafamento sem perigo, não é blitz, apenas muita gente. Tudo parado: 38 graus. O<br />

suor escorre pelo pescoço, costas, e descobre estar preso pelo coldre. Não pode tirar o<br />

paletó: 40 graus. Seu co-piloto, uma providencial pastinha nas mãos, camisa de manga<br />

curta, ri aliviado; o perigo passou. Enquanto se afoga, prisioneiro do <strong>que</strong> esconde, sem<br />

poder revelar a engenhoca de couro aos ocupantes do carro ao lado, jura a si mesmo<br />

nunca mais deixar <strong>que</strong> os americanos interfiram com sua prática político-militar.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - lUTa arMaDa 341

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