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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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o único <strong>que</strong> não nos deixava passar por caçadores. Os nossos fuzis era o <strong>que</strong> de melhor<br />

havia na época, marca FAL; Lamarca, quando deixou o quartel, levou um caminhão cheio<br />

deles. Eram armas de grande precisão, largo alcance, e podiam ser usadas tiro a tiro ou<br />

em impressionantes rajadas. O Brasil tinha a concessão de fabricação, mas a munição,<br />

responsável em grande parte pela excelência da arma, tinha <strong>que</strong> ser importada da Bélgica.<br />

Tínhamos sessões de tiro ao alvo regularmente, não só com o fuzil, como também com o<br />

revólver calibre 38 <strong>que</strong> todos levávamos na cintura, junto com o cantil e o facão.<br />

A higiene era peculiar: logo ao chegar, fomos informados de <strong>que</strong> o guerrilheiro não toma<br />

banho fre<strong>que</strong>ntemente, <strong>que</strong> é saudável ter uma camada gordurosa sobre o corpo, assim<br />

<strong>que</strong> no máximo, um banho por semana. Depois de suar nas caminhadas por dois ou três<br />

dias, ou o cheiro sumia ou a gente acostumava, por<strong>que</strong> já não sentíamos nada. As latrinas<br />

eram construídas segundo a necessidade: era só se afastar um pouco no mato, cavar um<br />

buraco no chão com o facão, tratar de não errar o buraco, papel higiênico ou folha vai<br />

para dentro do buraco <strong>que</strong> em seguida é tapado. A preocupação era menos pela higiene<br />

do <strong>que</strong> com deixar pistas.<br />

A vida social consistia na própria convivência diária, nas conversas durante as refeições,<br />

ou durante os descansos das caminhadas. O assunto era, invariavelmente, o próprio<br />

treinamento, quanto andamos, como era o terreno, como foi o exercício de tiro ao alvo<br />

e assim por diante. Havia duas mulheres no grupo: a companheira do Lamarca e a minha<br />

companheira. Ter uma relação no meio de tanto homem é complicado: a gente não podia<br />

nem dar mostras de ternura em público, seria considerado impróprio, beijo nem falar.<br />

Mesmo assim, uma vez – uma só – conseguimos, por uma série de coincidências, ficar<br />

sozinhos e, temerosos da vinda repentina de alguém, em pé, desajeitados, abrimos as<br />

calças e, metendo a mão entre o facão e o revólver, nos masturbamos mutuamente.<br />

A Carmen sempre tinha sido batalhadora, acostumada a lutar pelo <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria e enfrentar<br />

problemas, assim <strong>que</strong> não tinha mais dificuldade <strong>que</strong> os outros em se adaptar à rotina.<br />

Já a companheira do Lamarca, a Iara, era outra história: acostumada a uma vida sem<br />

maiores dificuldades, tinha <strong>que</strong> se esforçar em dobro. Observando-a no seu lento e árduo<br />

progresso, me vinha um sentimento misto de compaixão por ela e orgulho pela Carmen.<br />

Uma tarde, em <strong>que</strong> era meu o turno de cozinheiro, eu estava tentando fazer fogo e<br />

estava tendo pouco êxito na tarefa, já <strong>que</strong> estava chuviscando e a lenha não estava bem<br />

seca. Sentado no chão úmido, o facão na cintura tocando a terra, de repente um estrondo<br />

ensurdecedor: só deu tempo de ver uma espécie de fogo subindo por todas as árvores e<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - lUTa arMaDa 335

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