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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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do treinamento poder abandonar o acampamento às pressas, <strong>que</strong>r dizer, em poucos<br />

minutos, soltar as cordas, enrolar a rede num pacotinho, destruir o banquinho, pôr tudo<br />

nas costas e ir embora, preferentemente sem deixar quase vestígio de ter tido gente<br />

acampando por lá.<br />

Dormíamos com a mesma roupa do dia, em caso de alerta ninguém teria tempo de trocar<br />

o pijama. Só tirávamos as botas, <strong>que</strong> deixávamos em cima do banquinho e o boné, <strong>que</strong><br />

colocávamos como uma tampa em cima das botas, bem tapadas para impedir a entrada<br />

de cobra ou aranha durante a noite e evitar surpresas desagradáveis ao calçá-las de<br />

manhã. Dormir vestido também facilitava cumprir o turno de vigilância noturna, duas<br />

horas cada um, num es<strong>que</strong>ma de revezamento do qual ninguém era isento.<br />

Era uma rotina parecida todos os dias: levantávamos antes do nascer do sol, quando o<br />

dia já estava clareando. A comida então já estava pronta. Cada dia revezava o cozinheiro,<br />

<strong>que</strong> tinha <strong>que</strong> acordar uma hora antes dos outros, ainda no escuro, fazer fogo e cozinhar<br />

quase sempre o mesmo prato: arroz com carne seca e palmito. Esse último item de luxo<br />

se devia a <strong>que</strong> o palmito abundava na região. Tínhamos <strong>que</strong> derrubar a palmeira a golpes<br />

de facão e, enrolado em fibras no último metro de tronco antes das folhas, está o palmito,<br />

<strong>que</strong> púnhamos para cozinhar junto com o arroz. Levantávamos e íamos logo, cada um<br />

com sua cuia e colher, comer um tremendo prato de comida, calorias para aguentar o dia.<br />

Depois até o pôr-do-sol, hora do jantar – outra dose de arroz, carne seca e palmito – não<br />

comíamos nada. Todos tínhamos na mochila um par de latas de leite condensado e<br />

algum chocolate, no caso em <strong>que</strong> tivéssemos <strong>que</strong> pular uma ou duas refeições, isto é, em<br />

caso de combate ou fuga, onde não poderíamos fazer fogo. Alguma banana vinha do<br />

sítio e ocasionalmente cozinhávamos outra coisa, mas ninguém se <strong>que</strong>ixava, o prato era<br />

relativamente rápido de preparar, não exigia grande mestria culinária e, devido ao<br />

exercício diário, sempre estávamos meio esfomeados e comíamos com prazer.<br />

O exercício era duro, caminhávamos pelo mato, com uns vinte quilos nas costas, várias<br />

horas por dia, quatro, seis horas com curtos descansos, desenvolvendo a resistência e<br />

treinando orientação. Às vezes, íamos, por algum riacho, aprendendo uma forma de não<br />

deixar pistas a eventuais rastreadores. A selva era, por assim dizer, gentil. Raramente<br />

tínhamos <strong>que</strong> usar o facão para abrir caminho. Fora as cobras, de vários tipos, tamanhos<br />

e cores, visíveis passeando ou quietinhas tomando sol, o único animal mais perigoso era<br />

a onça, mas, em vias de extinção, raramente era vista, e sempre ao longe, nunca foi uma<br />

ameaça. Contadas nos dedos foram as ocasiões em <strong>que</strong> cruzamos com caçadores ou<br />

colhedores de palmito e fazíamos então o possível para ocultar os nossos fuzis militares,<br />

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