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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Devo ter passado uns dois dias dormindo, tamanha era a minha exaustão. Quando<br />

acordei, liguei para o Aldo13 , <strong>que</strong> era companheiro e vizinho, e combinamos de nos<br />

encontrar na casa dele.<br />

Aldo era sobrinho do Arcebispo do Rio de Janeiro Dom Jaime de Barros Câmara e morava<br />

com a avó. Estávamos no quarto dele, conversando, quando fomos chamados à mesa,<br />

<strong>que</strong> estava posta. Não me lembro se era almoço ou jantar. Acho <strong>que</strong> era o almoço. Fomos.<br />

Quando sentei à mesa, a avó do Aldo me apresentou a um amigo dela <strong>que</strong> estava de<br />

visita e comeria conosco. Tratava-se de um senhor de cabelos brancos ou grisalhos, não<br />

sei muito bem, mas <strong>que</strong>, para os meus padrões da época, era um velho. Cumprimentei-o<br />

e me acomodei na cadeira sem prestar atenção nele. Foi aí <strong>que</strong> a avó do Aldo introduziu<br />

um assunto espinhoso. O amigo dela passara por uma experiência terrível. Ele era<br />

tesoureiro do IPEG. Estava dentro do carro pagador quando aconteceu o assalto. Surpreso,<br />

fi<strong>que</strong>i abestalhado. Ela passou a palavra para ele. Espantado, escutei o relato do tesoureiro<br />

do IPEG, cara a cara com ele.<br />

O velho senhor disse <strong>que</strong> havia um assaltante muito mau, um sujeito grande e forte, com<br />

uma expressão de ódio, certamente um sádico, <strong>que</strong> o espancara sem nenhum motivo. Ele<br />

só não fora morto por esse bandido, por<strong>que</strong> um comparsa do bando de assaltantes, talvez<br />

chefe da quadrilha, ficara penalizado e intercedera, livrando-o do brutamontes.<br />

Aldo olhou para o amigo da avó e depois para mim. Adivinhou o <strong>que</strong> estava se passando.<br />

Tro<strong>que</strong>i uma olhada de cumplicidade com ele. Que fazer? Temia ser reconhecido.<br />

Interpelei o visitante. “Puxa vida, o senhor passou um sufoco, hem?” Era a forma de eu<br />

tentar saber se ele havia me reconhecido. “Ah! Foi, meu filho. Você nem imagina!”,<br />

respondeu. “Esse bandido era malvado mesmo, né?”, falei. Ele concordou comigo. Falou<br />

horrores do bandido e me deixou tranquilo. Pelo jeito como falava comigo, não me havia<br />

reconhecido. Na verdade, nem ele a mim, nem eu a ele.<br />

A avó do Aldo virou-se para mim e perguntou se eu não havia gostado da comida. Aí, me<br />

dei conta de <strong>que</strong> não havia tocado no prato. Fi<strong>que</strong>i embaraçado. Meti o garfo no prato,<br />

levei a comida à boca e mastiguei pela primeira vez. “A comida está muito gostosa”,<br />

respondi, sem conseguir sentir-lhe o sabor. “É <strong>que</strong> foi tão impressionante essa história,<br />

13 Aldo Sá Brito morreu na luta contra a ditadura.<br />

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