06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

- Não seja por isso, nossos filhos poderão brincar com os seus.<br />

- Ah! Como eu gostaria <strong>que</strong> assim pudesse ser, mas minha função não permite - confessa.<br />

- Neste caso, senhor embaixador, embora exilados, somos mais livres <strong>que</strong> o senhor -<br />

dizemos-lhe.<br />

- É verdade - aceita, resignado.<br />

Nascimento de Joana no primeiro ano de chegada ao Canadá, dezembro de 1974.<br />

Registro de nascimento solicitado junto ao consulado do Brasil, em Toronto. A legislação<br />

pátria incorporara os dois princípios <strong>que</strong> determinam a cidadania. O iure solis (cidadania<br />

do país de nascimento) e o iure sanguinis (cidadania do país do pai e/ou da mãe). Direito<br />

negado/rasgado. Se<strong>que</strong>ncia-se áspero entrevero. Recurso ao consulado de Montreal.<br />

Atende, ao telefone, o cônsul Dias Gomide. Inteirado do caso, de pronto, diz <strong>que</strong> cumprirá<br />

a lei. Lei cumprida. Republicano gesto da parte do cônsul, mais nobre ainda posto <strong>que</strong><br />

vindo de <strong>que</strong>m fora se<strong>que</strong>strado pelos Tupamaros, em 1970, em Montevidéu.<br />

Por fim, a lição de casa. Dos nove irmãos <strong>que</strong> somos, quatro foram presos, além de duas<br />

noras. Eu e Mário, Tereza e Vera, as noras, vá lá, já tínhamos dado os primeiros passos na<br />

militância política. Mas condenar o Célio, sem militância, a um ano de prisão por<strong>que</strong><br />

escrevera “vote nulo” num ônibus! Manter a Nadja durante dez dias no DOPS-PE, sem<br />

banhar-se e sem cama – uma eternidade fincada até hoje em sua alma – por<strong>que</strong> ousou<br />

visitar na masmorra de Recife, Chico de Assis, primo da Tereza, amigo da família! Forçar<br />

meu irmão mais novo, Wilson, com apenas quinze anos de idade, a deixar Fortaleza e a<br />

família e debandar para Recife! Prender outra vez e torturar o Célio, quando já pegava o<br />

“matulão” para o Canadá! Era a morte civil de uma família pela asfixia das armas e do<br />

pavor!<br />

As múltiplas invasões facínoras de nossa casa, mantendo os irmãos mais novos e meus<br />

pais sob a mira de fuzis! A trombose chega e meu pai, Mário de Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, já não mais<br />

reage. Antes disso, fora afastado, compulsoriamente, do trabalho e o salário minguou ao<br />

mínimo. O fardo aumenta sob os ombros de Dona Lourdes, minha mãe <strong>que</strong>, por sua luta,<br />

passa a ser reconhecida como a mãe da Anistia no Ceará, precursora das Mães da Praça<br />

de Maio. Foi para as portas de prisões. Gritou, esbravejou, protestou, fustigou, foi aos<br />

jornais, peitou de frente os celerados da ditadura. Mobilizou apoios, organizou-se em<br />

comissões de solidariedade, uniu-se às demais famílias, agigantou-se. Mas o corpo<br />

304

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!