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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Estradas sinuosas e movediças nos levaram ao Chile, o refúgio dos deserdados da<br />

liberdade. A reunião com Izabela, com um ano e oito meses de idade, pelas mãos dadivosas<br />

da Cruz Vermelha Internacional. Na mediação, a generosidade de um suíço e um brasileiro<br />

cujos nomes espero um dia identificar. No apoio, os corações dos companheiros e<br />

companheiras do Refúgio de Padre Hurtado, nos arredores de Santiago.<br />

Esse exercício mental de revisitar o passado fez-me agônico pelas dores <strong>que</strong> já havia<br />

sofrido. Recupero o juízo de presença e retorno a atenção ao Brioso.<br />

- Você tem tido alguma notícia desse Pedro Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>?<br />

- Não, nunca mais soube dele. Ele era ainda um meninão!<br />

Confirmo a expectativa dos alunos e produzo a surpresa <strong>que</strong> Brioso jamais pensara<br />

experimentar em sua vida:<br />

- Pois aqui está ele, Pedro Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>!<br />

Instala-se um ambiente de estupefação, de uma emoção contagiante, de incerteza do<br />

<strong>que</strong> poderia vir em seguida. Miro em seus olhos lacrimejantes. Ele parece sentir raios de<br />

abertura em meu coração. Tomo a iniciativa do abraço e os dois nos abraçamos tangidos<br />

pela nova aura de pacificação na<strong>que</strong>le momento iniciada . Com voz trêmula, olhos<br />

marejados, ele diz:<br />

- Foi Deus <strong>que</strong>m mandou você aqui. Espero <strong>que</strong> não guarde ódio de mim.<br />

Não, não houve es<strong>que</strong>cimento, nem dele nem meu. Não posso pôr uma pedra sobre a<br />

memória. Houve, sim, apaziguamento com nossos fantasmas do passado. Alguma pulsão<br />

de vida removeu feridas de meu coração. Quando lhe pergunto se ele se sente arrependido<br />

de seu passado de esbirro da ditadura, responde-me com olhos entristecidos:<br />

- Arrependo-me de nunca ter tido relações sexuais.<br />

Ao revelar esses fios de memória a familiares, a amigos e amigas, antigos e novos<br />

companheiros e a meus alunos e alunas, uma interrogação tem impactado minha<br />

narrativa: como você consegue reunir forças para perdoar a <strong>que</strong>m tanto lhe maltratou?<br />

Não consigo explicar, não encontro em mim uma racionalidade <strong>que</strong> enquadre nem o fato<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - ClaNDeSTiNiDaDe e SoliDarieDaDe 299

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