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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Sob o aperto de mão convencional, pergunto-lhe o nome. Responde-me com brio:<br />

Antonio Brioso de Mesquita. Esse nome desencavou-me infaustas recordações. Recuei no<br />

tempo e me vesti do jovem Pedro, pleno de sonhos, ingênuo ainda, mas com a intrépida<br />

vontade de mudar o mundo. Passei a reconstruir em flashes, os gestos, o corpo, o olhar,<br />

a rudeza do homônimo desse senhor, meu algoz em 1964. Só podia ser ele. Refeito do<br />

susto, indaguei-lhe:<br />

- Que fazia o senhor em 1964?<br />

De pronto, voz firme de <strong>que</strong>m não tergiversa, ele passa a dar detalhes do seu fazer:<br />

- Estava na revolução e prendi muitos comunistas. E passa a desfilar os nomes de velhos<br />

conhecidos meus, camaradas de sonhos sonhados juntos, hóspedes forçados de funestas<br />

masmorras, cativos das mesmas suplícias. Diz-me ainda <strong>que</strong> fora corneteiro do exército<br />

por mais de doze anos.<br />

Certo de <strong>que</strong> era ele mesmo, devassei o último recôndito de sua caixa de memória:<br />

- Nessa época, o senhor ouviu falar de Pedro Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>?<br />

- Pedro de Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong> Neto - diz, boquirroto e orgulhoso de seu passado. - Prendi-o<br />

duas vezes, em sala de aula e em sua casa. Botei revólver na cabeça dele, levei ele pras<br />

delegacias de polícia, entreguei ele, à noitinha, no Quartel General da 10ª Região.<br />

Como num redemoinho, minha alma foi recolhendo nesga por nesga, fragmento por<br />

fragmento, as picadas dos caminhos, os sonhos sonhados, os amores vividos, os amores<br />

perdidos, o tijolo com tijolo de sonhos e caminhos partidos no dobrar das quinas da vida<br />

e da história, como marcas de passos trilhados e adormecidos. Os anos dourados da<br />

liberdade do pré-64, a militância na juventude comunista, no movimento estudantil<br />

secundarista e na Frente Nacionalista do Liceu do Ceará, o gesto de rebeldia vivificado<br />

nas Ligas Camponesas do <strong>que</strong>rido Francisco Julião em Pernambuco, o Congresso da UNE<br />

e a prisão em Ibiúna, a expulsão da universidade.<br />

O golpe militar-empresarial pega-me na Presidência da União dos Estudantes Técnicos e<br />

Industriais do Ceará (1963-1964). Um oficial do exército e Brioso, o soldado corneteiro,<br />

chegam e me dão voz de prisão em plena aula de física, na Escola Industrial de Fortaleza,<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - ClaNDeSTiNiDaDe e SoliDarieDaDe 297

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