06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Chegamos à tarde em Maceió. Instalaram-me em uma casa, depois em outra, de aliados.<br />

Morei um ano em uma república de estudantes, no bairro da Ponta Grossa. Não tinha<br />

mudado de identidade e só um dos estudantes sabia a razão de minha estada ali. Eu dizia<br />

aos outros <strong>que</strong> fugira de Recife para evitar um casamento a contragosto, com uma moça<br />

<strong>que</strong> eu engravidara. Como eu era o único <strong>que</strong> não trabalhava, nem tinha escola para<br />

fre<strong>que</strong>ntar, cozinhei para todos.<br />

Na cozinha, carnes eram raras. Comíamos fatias de mortadela cozinhadas no feijão. Era<br />

um ban<strong>que</strong>te. Aprendi a fazer cuscuz com leite de coco, hoje um legado da clandestinidade.<br />

Sozinho durante o dia, uma das vizinhas quase sempre vinha nos visitar. Com o tempo,<br />

passamos a nos paparicar. Ela tinha um velho <strong>que</strong> a mantinha com roupas, jóias. Dizia<br />

<strong>que</strong> ele era o seu amante e eu, o seu namorado.<br />

Às tardes, eu ia para uma biblioteca pública fuçar literatura. Encontrei-me com Luciano<br />

Si<strong>que</strong>ira, clandestino, na Praça Sinimbu. Ele aproveitou para escorchar a memória do<br />

senador e latifundiário do Império, Visconde de Sinimbu. Depois, deu conta da luta<br />

dentro de Ação Popular para se incorporar ao PC do B.<br />

Um dia de manhã, andando em uma das calçadas da Rua do Comércio, no centro, avistei,<br />

vindo na minha direção, o tenente do Exército <strong>que</strong> me conhecia e me denunciara ao<br />

DOPS. O tenente Câmara era instrutor do tiro-de-guerra de Goiana e livrara um professor<br />

de inglês do ginásio da cidade, de um Inquérito Policial Militar. Edgar, o professor, tornouse<br />

colaborador do tenente e repassou, para o militar, as conversas <strong>que</strong> tivera comigo.<br />

Graças a ele, Gilseone Cosenza, da UBES nacional, fugida de São Paulo, fora presa no<br />

Recife. Avistei Câmara a tempo de entrar em uma loja cujo corredor dava para a rua<br />

paralela. Ele não me viu. Entretanto, não me senti em segurança para continuar em uma<br />

cidade pe<strong>que</strong>na.<br />

Viajei para Fortaleza seguindo o caminho do sertão de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande<br />

do Norte. O ônibus parou em uma localidade com o nome de Placas, um distrito ou um<br />

posto da receita de Pernambuco... Com o dinheiro da viagem, no único restaurante do<br />

lugar, não pedi feijão nem arroz. Comi um bife graúdo acompanhado de tomates, farteime<br />

até sentir remorsos.<br />

Saltei em Juazeiro para pegar outro ônibus rumo a Fortaleza. Hospedei-me com o nome<br />

real, em uma pensão da Rua Padre Mororó, no centro. A dona, uma velha com amizades<br />

286

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!