06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

do DOPS. Não subi para a sala de aula. Teve início um périplo de quatro anos de vida<br />

clandestina.<br />

Procurei Alfredo Ferreira Filho. Eu e ele dirigíamos o trabalho clandestino da União<br />

Brasileira dos Estudantes Secundaristas, em Pernambuco. Descartamos qual<strong>que</strong>r<br />

articulação com os estudantes da base do movimento. Como, a essa altura, a repressão já<br />

representava uma ameaça à vida das lideranças estudantis, o jeito era, mesmo, a<br />

clandestinidade. Tínhamos <strong>que</strong> conseguir um lugar, uma casa <strong>que</strong> me acolhesse até eu<br />

sair do Estado. Teria <strong>que</strong> sair pelas estruturas de Ação Popular, <strong>que</strong> nos dirigia no trabalho<br />

com os estudantes. E estávamos desarticulados da organização, meio <strong>que</strong> sem rumos<br />

sobre como nos livrar da perseguição policial.<br />

Fomos à casa de um militar do Exército, reformado e dissidente do governo. Em Casa<br />

Forte, um bairro aristocrático de Recife, livre da vigilância do DOPS. O militar, prosaico,<br />

mal disfarçando a tibieza, disse <strong>que</strong> não poderia me acolher por<strong>que</strong> sua casa estava cheia<br />

de moças, suas filhas. Fomos à casa de uma amiga da militância estudantil, no Hipódromo.<br />

Conversamos até meia-noite, sem tocar no assunto. Alfredo chamou-a à parte. Ela disse<br />

<strong>que</strong> não podia me acolher por causa das irmãs, vacilantes, podiam dar com a boca no<br />

mundo.<br />

Pegamos num táxi, fomos a Olinda. Alfredo foi para sua casa. Por razões de segurança,<br />

não convinha acompanhá-lo Eu dormi no terraço de um puteiro à beira-mar, protegido<br />

do frio por uma amurada de meio metro de altura. O prostíbulo fechara, só uma luz<br />

vermelha piscando na frente. De manhã, fui para Paulista, município vizinho. Passei o dia<br />

num monte coberto por uma mata de eucaliptos, espreitando a rodovia. Ao meio-dia,<br />

desci para um bairro, afastado, de operários da única fábrica de tecidos da cidade. Entrei<br />

numa venda, misto de armarinho e boteco. Comprei rapadura para adquirir sustância e<br />

um sabonete ordinário, de cheiro ativo. Atrás, havia um banheiro público, com banhos<br />

pagos. Chuveiro abundante e chão de cimento grosso.<br />

À noite, fui encontrar-me com Alfredo no terraço do puteiro. O propósito era <strong>que</strong> nos<br />

misturássemos com a boemia local. Alfredo chegou com Urariano Mota, então funcionário<br />

da Celpe, <strong>que</strong> nos dava apoio na retaguarda do movimento. Com ele, Lécio Morais,<br />

alagoano, instalado em Recife depois de ser perseguido em Maceió. Ele me levaria à<br />

estrutura de Ação Popular. Conversou comigo sobre as minhas condições físicas e, sem<br />

<strong>que</strong> eu ouvisse, disse a Urariano:<br />

284

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!