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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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todos acompanhávamos essa corte como se fôssemos marinheiros de reserva, prontos a<br />

substituir o nosso almirante negro.<br />

- Senhora, aqui nos tem. Ele é nosso grande amigo, pero, pero, enfim...<br />

É interessante notar, percebo agora, <strong>que</strong> Ra<strong>que</strong>l nos acordava a esperança de possuí-la<br />

sem qual<strong>que</strong>r recurso vulgar, vale dizer, decotes (talvez, murmura-me um diabo<br />

contraditório, talvez por<strong>que</strong> os seios já não fossem assim tão plenos de formas), não nos<br />

insinuava uma saia mais curta, por<strong>que</strong> ela, percebo bem, batia-se por uma moral <strong>que</strong> era<br />

libertária, mas não exatamente Mary Quant. Ela nos acendia pela pessoa <strong>que</strong> era, pelo<br />

<strong>que</strong> adivinhávamos das reticências da sua fala e da sua vigorosa liberdade. Mas isso, essa<br />

percepção, somente ganhamos à distância, no instante em <strong>que</strong> somos menos burros e,<br />

valha-nos Deus, quando temos infinita melhor paciência, um bom nome para o<br />

decréscimo do vigor <strong>que</strong> fodia até borboletas.<br />

Na segunda vez, foi a “trabalho”. Estávamos em um encontro (Congresso? Não sei,<br />

gostávamos dos nomes mais pomposos) da União Brasileira de Estudantes Secundaristas,<br />

nome <strong>que</strong> repete a observação anterior entre parênteses. E, para isso, Ra<strong>que</strong>l nos cedeu<br />

a sua granja, uma vez mais. Pois bem, não pensem, por favor, <strong>que</strong> sou humorista. Pois<br />

bem, eu era o segurança. Eu estava ali para cuidar da segurança de todo o grupo, onde<br />

sobressaía a pessoa ruiva, de coxas laceradas por ácido, cujo nome era Mirtes. Melhor,<br />

éramos dois seguranças e não pensem de novo <strong>que</strong> sou humorista, os seguranças éramos<br />

eu e Spinelli. Amigo de infância, alto, magro e com habilidade para uma corrida de<br />

tartarugas, Spinelli era o parceiro ideal para sondar e perscrutar o horizonte, se policiais,<br />

facínoras e exércitos com metralhadoras nos assaltassem. Que armas tínhamos? – Os<br />

olhos. Que instrumentos de prospecção possuíamos? – Eu, um livro de Hemingway, Paris<br />

é uma festa (“Esse cara é revolucionário, lutou na Guerra Civil da Espanha”, eu dizia);<br />

Spinelli, um volume de Lukács, cuja luz deveria iluminar a nossa vigilância. Posto de<br />

observação? – Duas redes, <strong>que</strong> balançavam e eram boas, na fresca das matas da tarde.<br />

Súbito, um movimento ao longe. Um ser magro e pe<strong>que</strong>no como uma ave avança por<br />

entre as árvores. Eu sei <strong>que</strong>m é, na época eu enxergava bem, eu sei <strong>que</strong> se trata de<br />

Geraldo Sobreira, mais conhecido pelo honroso nome de Galo Cego. Ele assim se chamava<br />

por<strong>que</strong> era míope profundo e descarnado como os galos magros e sem pelo. Por isso, de<br />

broma, anuncio a meu companheiro de segurança:<br />

- Atenção. Um cego sobe o caminho.<br />

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