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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Na manhã de 2 de abril, fui para a casa de uma tia na Tijuca e Victória não mais poderia<br />

existir. Em julho de 1964, a família Grabois entra, definitivamente, na clandestinidade e<br />

muda-se para São Paulo. Na nova casa tínhamos <strong>que</strong> ter outros nomes, meu pai<br />

estabeleceu <strong>que</strong> os nossos novos nomes teriam <strong>que</strong> ser parecidos com os verdadeiros.<br />

Meu irmão André passou a ser chamado de Adilson e eu, de Virgínia.<br />

Em novembro, fui a Porto Alegre em missão partidária e, lá, os dirigentes do Partido me<br />

entregaram uma certidão de nascimento da sobrinha de um companheiro operário. A<br />

direção local do PC do B achou <strong>que</strong> eu deveria tirar a carteira de identidade em Porto<br />

Alegre. E lá fui eu ao cabeleireiro fazer um penteado “à moda gaúcha” para me tornar<br />

mais velha, pois a dona da certidão tinha mais sete anos, nascida em Uruguaiana fronteira<br />

com a província de Corrientes – Argentina. Ao meio dia fui procurar um despachante no<br />

departamento de polícia <strong>que</strong> emitia os documentos de identidade. O sujeito aparentando<br />

cerca de vinte e cinco anos, não criou nenhum obstáculo e cobrou a quantia de Cr$10,00<br />

(dez cruzeiros), uma pechincha para a época. Meu retorno seria às dezesseis horas.<br />

Portanto, eu teria <strong>que</strong> ficar perambulando pelas ruas até a tarde, já <strong>que</strong> não seria<br />

prudente voltar para casa, pois eu poderia comprometer os companheiros <strong>que</strong> me<br />

hospedavam. Ao sair da repartição policial, senti muito medo: eu, carioca, com um<br />

sota<strong>que</strong> chiado da Zona Sul do Rio de Janeiro e com um documento <strong>que</strong> me deixava mais<br />

velha – algum policial poderia desconfiar e me prender.<br />

Fui à Loja Americana e pedi um sanduíche e um suco. Pela primeira vez em minha vida,<br />

recusei comida. Sou muito gulosa e as outras duas vezes em <strong>que</strong> não consegui comer foi<br />

quando entrei em trabalho de parto.<br />

Andei por toda a Rua da Praia, subi e desci inúmeras ladeiras, visitei a Feira do Livro e,<br />

finalmente, retornei à Delegacia e recebi o documento. Ufa! O despachante não<br />

desconfiou na<strong>que</strong>le momento em <strong>que</strong> me transformei em Teresa, nome <strong>que</strong> carreguei<br />

oficialmente por dezesseis anos.<br />

De retorno a São Paulo tirei título de eleitor, carteira de trabalho e passaporte. Como<br />

morávamos em um aparelho do Partido, era necessário um respaldo legal para <strong>que</strong> os<br />

vizinhos não desconfiassem da situação. Eu teria <strong>que</strong> arranjar um emprego, mas como a<br />

Teresa não tinha nem curso primário, tornava-se impossível qual<strong>que</strong>r colocação no<br />

mercado de trabalho. A solução encontrada foi a de me matricular no antigo Curso de<br />

Madureza (supletivo). O nível dos alunos era muito baixo e todos se espantavam como<br />

eu sabia <strong>que</strong> -5 + 3 = -2. O discurso inventado por mim foi <strong>que</strong> havia cursado até o<br />

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