06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

eformistas, incapazes de resistir ao golpe, de armar o povo. Mas aprendi muito com<br />

Arraes. Pela primeira vez conversava com alguém <strong>que</strong>, sem os nossos chavões marxistas,<br />

conhecia as forças sociais, como elas se movem, os efeitos políticos de cada gesto, as<br />

conexões entre política e economia, entre política e cultura. Ele me contou muito de<br />

quando foi prefeito de Recife, nos três anos anteriores à sua eleição para governador de<br />

Pernambuco em fins de 1962. Foi o período mais criativo, em <strong>que</strong> a mobilização social e<br />

a valorização da cultura popular fez de Pernambuco, de Recife em particular, o berço de<br />

movimentos <strong>que</strong> sacudiram o Brasil na época. Ali, nasceram o método de alfabetização<br />

Paulo Freire, os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da<br />

UNE) <strong>que</strong> revolucionaram o teatro brasileiro e, um pouco antes, a luta pela reforma<br />

agrária, das Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião.<br />

Arraes, <strong>que</strong> voltei a encontrar já novamente eleito governador de Pernambuco nos anos<br />

80, sempre recordava a reação do seu caçula Pedro, ainda criança em Argel, quando lhe<br />

fui apresentado como “um brasileiro”. “Estão <strong>que</strong>rendo me enganar”, protestou,<br />

recordando <strong>que</strong> poucos dias atrás haviam tentado convencê-lo de <strong>que</strong> um negro era<br />

“brasileiro” e <strong>que</strong> “agora me dizem <strong>que</strong> o brasileiro é um japonês”.<br />

O grupo do Arraes compreendia o ex-padre Almeri Bezerra de Mello <strong>que</strong>, seis anos mais<br />

tarde, fui reencontrar também em Angola, como representante do UNICEF (Fundo das<br />

Nações Unidas para a Infância), o Manuel Grota <strong>que</strong> me hospedou algumas semanas e os<br />

mineiros irmãos Mourthé. Almeri, <strong>que</strong> visitei em Olinda há alguns anos, estava escrevendo<br />

suas memórias do exílio, principalmente em Argel.<br />

Havia também muitos exilados portugueses na Argélia. Mantinham uma emissora de<br />

rádio, A Voz da Liberdade, dirigida a Portugal. Até hoje a portuguesa Ana Filgueiras me<br />

cobra, de brincadeira, uma mala de pele de carneiro do seu tio, com livros do seu avô. Eu<br />

teria saído de Argel, no inicio de 1970, com essa mala a ser entregue na Alemanha. É o<br />

<strong>que</strong> recorda a Ana, por<strong>que</strong> tudo isso sumiu da minha memória. A hipótese mais benigna<br />

é <strong>que</strong> o es<strong>que</strong>cimento seja fruto da clandestinidade <strong>que</strong> nos estimulava a ser seletivos na<br />

memorização e es<strong>que</strong>cer fatos <strong>que</strong> não tivessem utilidade posterior. Outra é <strong>que</strong> a tortura<br />

tenha apagado certos neurônios, por<strong>que</strong> tenho muitas lacunas como essa na memória.<br />

Ali pude ver pela primeira vez o filme A batalha de Argel, realizado pelo italiano Gillo<br />

Pontecorvo em 1965, sobre a guerrilha urbana contra os franceses. Poucos meses depois,<br />

sofri na pele boa parte das brutalidades mostradas no filme. Soube assim <strong>que</strong> a ditadura<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - oPçõeS De lUTa e MiliTÂNCia 253

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!