06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

embaixador da VPR, sentia certa hostilidade na<strong>que</strong>le clima, na<strong>que</strong>la cultura totalmente<br />

distinta, carrancuda. Não me lembro de ter ouvido nenhuma risada nos três meses <strong>que</strong><br />

passei ali, em fins de 1969, a não ser dos brasileiros <strong>que</strong> passei a encontrar semanas<br />

depois da chegada.<br />

Na<strong>que</strong>la praça eu respirava e tive a melhor aula sobre a Argélia, cuja luta pela<br />

independência, conseguida só em 1962, alguns de nós considerávamos uma referência<br />

de revolução, por meio dos escritos de Franz Fanon e outros textos sobre as guerras de<br />

libertação africana e as teorias guerrilheiras.<br />

O senhor <strong>que</strong> cuidava da praça, misto de guarda e jardineiro, mancava de uma perna e<br />

mal movimentava um dos braços. Contou-me ter sobrevivido a mais de trinta tiros em<br />

diversas batalhas. Os ferimentos se espalhavam pelo corpo. Era um ancien moudjahidin,<br />

um combatente da guerra de independência (1954-1962) em <strong>que</strong> morreram entre<br />

250.000 e 1,5 milhão de argelinos, segundo os variados chutes estatísticos. Uma<br />

carnificina em qual<strong>que</strong>r dos casos.<br />

Soube, então, <strong>que</strong> havia lá um ministério dedicado a prestar assistência aos excombatentes,<br />

boa parte “recompensada” com subempregos como o do meu interlocutor.<br />

Foi minha segunda decepção com a tal “revolução” argelina. Sobreviventes da<strong>que</strong>la luta<br />

tão sangrenta eram apenas um problema social, ou previdenciário, excluídos da militância<br />

<strong>que</strong> decidia os destinos da nação. Tão diferente, achava eu, de Cuba onde todos os<br />

guerrilheiros, mesmo camponeses analfabetos, viraram dirigentes importantes da<br />

revolução, estudando e militando ativamente. Isso resolvia, na minha cabeça, o dilema<br />

sobre o caráter da revolução <strong>que</strong> faríamos no Brasil, se socialista ou de libertação<br />

nacional.<br />

A primeira decepção ocorreu logo ao pisar solo argelino e ser retido por cerca de uma<br />

hora no aeroporto, enquanto autoridades decidiam se eu podia entrar no país com um<br />

livro sobre o começo da guerrilha contra a colonização francesa em 1954. Era pura<br />

ignorância minha: nem me passou pela cabeça <strong>que</strong> a versão de um jornalista francês,<br />

Yves Courrière, irritaria os anfitriões. As feridas eram recentes, a guerra tinha terminado<br />

havia sete anos. Deixaram-me passar com o livro, mas ficou o cheiro de opressão, horrível<br />

para <strong>que</strong>m vinha da clandestinidade e da tensão brasileira.<br />

A terceira desilusão foi conhecer, bem mais tarde, as mortais divisões da Frente de<br />

Libertação Nacional, <strong>que</strong> levaram heróis da independência, inclusive fundadores do<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - oPçõeS De lUTa e MiliTÂNCia 251

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!