06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

– Seu filho é um subversivo! Está metido com esses comunistas filhos da puta, fazendo<br />

agitação contra o governo. Vai passar muitos anos na cadeia por isso. Foi pego em<br />

flagrante e reagiu à prisão.<br />

- Que pai é o senhor <strong>que</strong> não sabe o <strong>que</strong> seu filho anda fazendo por aí? O senhor não<br />

tem vergonha? Esses comunistas <strong>que</strong>rem derrubar o governo. Aproveitam-se desses<br />

jovens para promover agitação e transformar o Brasil numa Rússia. Querem fazer<br />

revolução. O senhor não sabe disso? Está pensando <strong>que</strong> eu acredito nessa historinha de<br />

<strong>que</strong> seu filho é menor? Pois saiba <strong>que</strong> eu sei <strong>que</strong> isso é mentira. Vou indiciá-lo. Ele vai ser<br />

fichado e vai ficar na cadeia…<br />

Meu receio nessa hora era o de <strong>que</strong> meu pai explodisse com seus diretos demolidores<br />

para cima do delegado ao estilo Joe Louis, seu grande ídolo do boxe. Esse era seu modo<br />

de responder a coisas assim. Entretanto, ele tudo ouviu em silêncio, com insuspeitado ar<br />

de respeito e concordância. Logo <strong>que</strong> o delegado fez uma pausa em seu discurso<br />

enfurecido, meu pai se aproximou de mim e, repentinamente, deu-me um tapa de mão<br />

aberta <strong>que</strong> me lançou a uns três metros dali, por sobre mesas e cadeiras. Minha mãe<br />

soltou um grito de pavor e correu para socorrer-me. Eu, caído no chão, somente sentia o<br />

calor da pancada no rosto.<br />

O delegado passou do espanto a uma satisfação jubilosa. Afastou-se da mesa, relaxou<br />

sua espinha no encosto da cadeira, enfiou os dedos polegares entre a barriga e o cinto e<br />

balançou a cabeça para cima e para baixo, aprovando. Depois, conferiu na cara dos dois<br />

esbirros, o efeito causado. Eles estavam boquiabertos. Houve um silêncio apenas<br />

perturbado pelas falas amorosas de minha mãe <strong>que</strong> me afagava no chão:<br />

– Meu filhinho, meu amor, tadinho…<br />

Aí, então, o delegado levantou-se da cadeira e foi até meu pai. Entregou-lhe a carteirinha<br />

de meditador transcendental. Deu-lhe um aperto de mão e disse:<br />

– Sim senhor! Gostei de ver! Leve seu filho para casa! Tenho certeza de <strong>que</strong> o senhor vai<br />

dar um jeito no garoto e <strong>que</strong> ele nunca mais vai se meter com esses comunistas.<br />

Acho <strong>que</strong> meu pai não disse nada. Só me lembro <strong>que</strong> logo depois estávamos descendo<br />

até o térreo na<strong>que</strong>le elevador gradeado, com porta pantográfica <strong>que</strong> lá está até hoje.<br />

Tomamos a Rua Gomes Freire em direção à Central do Brasil. Os três – minha mãe, eu e<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - o ai-5 (13/12/19<strong>68</strong>) 239

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!