06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Tudo isto eu disse na reunião do dia anterior à minha fuga para a clandestinidade em São<br />

Paulo, na casa de um Coronel cassado, pai do Carlinhos, um dos quatro acusados a serem<br />

julgados no dia seguinte. Os três acusados lá estavam com suas famílias. O quarto, o<br />

Baianinho do Calabouço, não tinha família no Rio e não foi à reunião. O terceiro era o<br />

Pedro Lins, filho do Embaixador Álvaro Lins e meu contemporâneo de Colégio São<br />

Fernando. Evaristo de Morais, Paulo Goldracht, Osvaldo Mendonça e Heleno Fragoso,<br />

todos advogados de renome, defenderam o nosso comparecimento à seção final do<br />

julgamento, confiando em <strong>que</strong> seríamos todos absolvidos. Formávamos uma curiosa<br />

frente única de es<strong>que</strong>rda em julgamento por<strong>que</strong> representávamos várias tendências do<br />

Movimento Estudantil, embora nossos pais não soubessem disso. Carlinhos e eu éramos<br />

da AP, Pedro era próximo da Dissidência Universitária do Partidão (PCB), vulgarmente<br />

conhecida como DI-Gb e o Baianinho era do PCBR. O Coronel era do Partidão e meus pais<br />

eram o <strong>que</strong> se poderia chamar de democratas e liberais, contrários à ditadura, mas não<br />

eram militantes. Minha mãe veio a sê-lo e das mais combativas e corajosas mas nunca<br />

ligada a partidos. A pressão para assistirmos ao julgamento era enorme e todos diziam<br />

<strong>que</strong>, se não comparecêssemos, aí sim, seríamos condenados.<br />

Eu já tinha tomado outras providências, por cautela. Luiz Cláudio já estava me esperando<br />

embaixo do prédio do Coronel para levar-me para São Paulo e eu tinha conseguido tirar<br />

um passaporte suíço em tempo recorde com a cooperação do meu pai e do embaixador<br />

Enrico Bucher, futuro se<strong>que</strong>strado por <strong>que</strong>m eu e outros 69 presos seríamos trocados em<br />

Janeiro de 1971. Por <strong>que</strong> tirei o passaporte? Por sugestão do meu pai, suíço, a qual eu<br />

acedi embora não pensasse em sair do país. Achei <strong>que</strong> era um bom salvo conduto em<br />

caso de blitz pois passaria por estrangeiro para um guarda menos atento. Já tinha usado<br />

minha carteira de reservista do Corpo de Fuzileiros Navais para sair livre de uma fria em<br />

<strong>que</strong> um carro do DOPS do Rio me parou, junto com outros dois, quando pichávamos<br />

muros no Méier. Após verificar a minha carteira, o cana falou:<br />

- Os garotos estão com o senhor? - Assenti e ele nos liberou, talvez, por acreditar <strong>que</strong><br />

tinha prendido agentes do CENIMAR disfarçados.<br />

Desisti de argumentar com o grupo dos aflitos parentes e advogados e chamei papai de<br />

lado. Informei-o da decisão final de não comparecer ao julgamento, de “cair na<br />

clandestinidade” e de me dedicar à revolução até a derrubada da ditadura. Acho <strong>que</strong> fui<br />

meio grandilo<strong>que</strong>nte e meu velho me olhou sem discutir, sem dúvida, perplexo com as<br />

revelações. Pedi <strong>que</strong> acalmasse a mamãe e me despedi dos dois, já meio envergonhado<br />

do tom melodramático. Não tentaram me convencer, talvez por<strong>que</strong> acreditassem <strong>que</strong> eu<br />

202

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!