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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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- Você é da AP? Com essa cara toda inchada de cliente não me lembrei do código. Aliás,<br />

você é o primeiro a usar este ponto; a direção me avisou <strong>que</strong> seriam casos raros e de<br />

maior risco. Vou levá-lo para um aparelho e avisar os companheiros.<br />

- Não dá para me tirar este dente? Não posso deixar de aproveitar esta coincidência. Mal<br />

posso falar e em dez dias vou estar no congresso da UNE e, como candidato, tenho <strong>que</strong><br />

poder discursar.<br />

- Não tenho Raio X e, com a inflamação, a anestesia não vai pegar. Se as raízes forem<br />

tortas e <strong>que</strong>brarem vai levar muito tempo e doer muito.<br />

- Tire assim mesmo. Temos <strong>que</strong> estar preparados para aguentar a dor, não é mesmo? - Na<br />

verdade, eu estava em pânico. Sempre tive medo de dentista e, como com os meus outros<br />

medos, fazia um baita esforço para dominá-lo. Respirei fundo e abri a boca.<br />

Nos quinze minutos seguintes, o doutor aplicou-me várias injeções de anestesia sem<br />

muito efeito e, finalmente, meteu um boticão sinistro na minha boca e forcejou como<br />

um condenado até arrancar o dentão.<br />

- Você tem muita sorte, saiu de prima e sem <strong>que</strong>brar. Ficou uma cratera e vai doer um<br />

bocado, mas ainda foi uma boa solução.<br />

Eu estava de todas as cores de tanto <strong>que</strong> doía mas aguentei impassível. Só o suadouro<br />

denunciava tanto o medo como a dor <strong>que</strong> sentia. Como dizia a velha expressão comum<br />

na família da minha mãe, “vi o china seco”. Nunca soube o <strong>que</strong> isto <strong>que</strong>r dizer, a origem<br />

perdeu-se no tempo e na história familiar.<br />

Fi<strong>que</strong>i bochechando um anestésico pouco eficiente enquanto o doutor da AP saía para<br />

telefonar para os contatos do partido, fechando o consultório. Eram dez da manhã e<br />

ninguém tinha aparecido. O doutor não tinha ainda uma clientela numerosa. A sala tinha<br />

um pé direito altíssimo já <strong>que</strong> a casa era um sobradão antigo, para não dizer velho e<br />

caindo aos pedaços. Ficava em um subúrbio de São Paulo <strong>que</strong> eu não consigo recordar<br />

onde era, acho <strong>que</strong> fiz <strong>que</strong>stão de não saber. A dor não parava e comecei a me sentir<br />

febril. O doutor voltou e levou-me para um outro contato em um bairro também de<br />

subúrbio e não muito longe. Circulamos de ônibus e eu me sentia altamente vulnerável<br />

embora soubesse <strong>que</strong> não havia chance de ser reconhecido na<strong>que</strong>le lugar.<br />

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