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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Tenho a impressão <strong>que</strong> alguém me disse: “vamos lá para a USP, estão precisando da<br />

gente”. Quando chegamos já estava <strong>que</strong>brando o pau. Para entrar no prédio da Maria<br />

Antônia, foi só me identificar “sou segurança do Rio”, isso abria todas as portas. Dentro<br />

do edifício, um caos. A guerra era entre os dois prédios, um em frente ao outro, o de lá<br />

era o da Mackenzie, dos estudantes de direita, o de cá era o prédio da USP, de es<strong>que</strong>rda.<br />

O armamento disponível do nosso lado era peculiar: alguém tinha conseguido uma<br />

quantidade enorme de rojões e a nossa estratégia consistia em tentar acertar e derrubar<br />

o pessoal do outro lado com a<strong>que</strong>les rojões. Não havia nada organizado, assim <strong>que</strong>,<br />

depois de arrombar uma porta para conseguir uma janela melhor posicionada, me juntei<br />

à festa dos fogos de artifício.<br />

Agora, o pessoal do outro lado tinha, além de algumas armas de fogo, uma espécie de<br />

co<strong>que</strong>téis molotov <strong>que</strong>, de vez em quando, entravam por alguma janela e davam início a<br />

um pe<strong>que</strong>no incêndio. Eu, <strong>que</strong> nunca havia chegado perto de um extintor, fui um dos<br />

bombeiros improvisados. Pelo nervosismo ou pela falta de prática, os bombeiros “de<br />

ara<strong>que</strong>” como eu, se melavam todos de espuma de extintor. Mal <strong>que</strong> bem, íamos<br />

debelando o fogo e voltando para as janelas. Numa dessas, senti um ardor na mão, levei<br />

algum tempo para entender, tinha levado um tiro.<br />

Com um torni<strong>que</strong>te improvisado, tentando estancar o sangue <strong>que</strong> esguichava de uma<br />

artéria cortada, me levaram para o hospital. Dirigindo ia um amigo, também segurança<br />

do Rio; eu ia sentado do lado de uma estudante <strong>que</strong> se prontificou a ficar apertando o<br />

torni<strong>que</strong>te, <strong>que</strong> não funcionava muito bem, lembro <strong>que</strong> tinha a mão ferida no colo dela<br />

e, ao chegar ao hospital, deixei a menina com uma poça de sangue na saia.<br />

Me puseram numa cama, um dos internos me examinou e interrompeu a hemorragia.<br />

Disse <strong>que</strong> não era grave e <strong>que</strong> um médico viria me costurar. Antes disso, entraram dois<br />

caras do DOPS. Começaram perguntando sobre o <strong>que</strong> eu estava fazendo na Maria<br />

Antônia. Neguei tudo: “não, eu estava no centro da cidade e tropecei e caí num vidro <strong>que</strong><br />

furou minha mão”.<br />

Nenhum policial, por mais ingênuo <strong>que</strong> fosse, iria acreditar numa lorota dessas. Eu estava<br />

todo sujo, coberto de sangue dos pés à cabeça, e com espuma de extintor para completar<br />

a decoração. Estava usando também uma botinha, <strong>que</strong> se chamava “topa-tudo”, de cor<br />

verde-militar, e <strong>que</strong>, na época, fazia furor entre o pessoal da militância estudantil.<br />

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