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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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O comandante da operação veio saber do <strong>que</strong> se tratava e eu expli<strong>que</strong>i. Ele me tirou da<br />

fila e me mandou direto para a quadra de bas<strong>que</strong>te onde ficamos presos. A essa altura, a<br />

UnB mais parecia a sucursal do inferno.<br />

“Onde estaria Mamãe?” me perguntava. O lugar certo era o Departamento de Letras (ela<br />

estudava Literatura). Na<strong>que</strong>le dia ela sentiu o sabor de um pedaço de papel. Engoliu a<br />

folha de caderno onde estavam anotados todos os nomes do seu departamento <strong>que</strong> iam<br />

concorrer para a eleição do FEUB. Mas a essa altura, eu não tinha a menor ideia de onde<br />

estavam mamãe e os amigos. Só via homens correndo, estudantes ensanguentados.<br />

Apenas torcia para <strong>que</strong> os policiais não olhassem para a cobertura da Faculdade de<br />

Educação, onde Victor, <strong>que</strong> sempre andava com uma câmera na mão e centenas de ideias<br />

na cabeça, filmava as truculências.<br />

A maior de todas foi a prisão de Honestino, <strong>que</strong> era nosso líder maior e presidente da<br />

Federação dos Estudantes. Os soldados o arrancaram de dentro da FEUB e vi quando um<br />

deles prendeu os dois braços de Honestino nas costas. Pela violência do ato, acreditamos<br />

<strong>que</strong> seu braço fora <strong>que</strong>brado.<br />

Fico engasgada quando me lembro de todos a<strong>que</strong>les momentos. Havia ódio no ar. Os<br />

policiais <strong>que</strong>braram laboratórios, inclusive o de Linguística, <strong>que</strong> era o meu preferido e,<br />

até hoje, tenho guardada na retina a imagem da<strong>que</strong>les brutamontes correndo pelo<br />

campus, se agachando para atirar, jogando bomba de gás lacrimogêneo e nos chamando<br />

de “putas comunistas”.<br />

A chuva do caju se atrasou na<strong>que</strong>le ano. Chegou só dia 18 de setembro, quando a seca<br />

já ultrapassara o insuportável e os ipês estavam todos floridos nos anunciando a<br />

primavera. Mas, para nós <strong>que</strong> estávamos numa Universidade <strong>que</strong> fora dilacerada,<br />

começava uma longa noite de inverno sem luz e, para mim, foi na<strong>que</strong>le 29 de agosto <strong>que</strong><br />

incorporei a palavra “medo” na minha vida.<br />

E hoje sei <strong>que</strong> a<strong>que</strong>le agosto foi sim, diferente dos demais.<br />

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