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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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10.5 brasÍlia, Quinta-Feira, 29 de aGosto de 19<strong>68</strong><br />

Memélia Moreira<br />

Brasiliense <strong>que</strong> se preza passa o mês de agosto olhando para o céu à espera da “chuva do<br />

caju”, <strong>que</strong> tem encontro marcado com a terra seca no dia dez de setembro. É um mês de<br />

intenso calor e o ponto alto da estiagem <strong>que</strong> começa em junho. A grama fica cinzenta,<br />

as pessoas ficam cinzentas, os corações desidratados. Até as almas secam. A<strong>que</strong>le agosto<br />

não parecia diferente dos demais.<br />

Era pouco depois das nove da manhã. Eu estava no carro do meu namorado, Victor<br />

Knapp, a primeira paixão (e proibida). Ouvíamos Bethoween, quando, pelo espelho do<br />

carro, vi passar um camburão <strong>que</strong> ia para a FEUB (Federação dos Estudantes da<br />

Universidade de Brasília). Depois um outro camburão parou em frente à FE-1 (Faculdade<br />

de Educação, onde funcionava também a Faculdade de Jornalismo). Os camburões da<br />

polícia jamais ousaram chegar tão perto. Eu mesma, em dias de assembleia, ficava no alto<br />

das unidades ainda em construção, armada de um binóculo e um walkie-talkie para<br />

avisar onde estavam os nossos inimigos, <strong>que</strong> não ultrapassavam a L-2 Norte, principal<br />

pista de acesso à Universidade de Brasília.<br />

Dos camburões desceram muitos homens, todos armados com metralhadoras, cassetetes<br />

em punho. Meu primeiro pensamento era “Onde está meu irmão?” Aí, lembrei <strong>que</strong>, às<br />

quintas-feiras, ele não tinha aula. Que alívio! Embora eu não soubesse de todas as<br />

atividades de meu <strong>que</strong>rido irmão Sonsonho, ou Neiva, como alguns o chamam, tinha<br />

certeza de <strong>que</strong> ele já estava envolvido em alguma coisa além da política estudantil. E era<br />

verdade. Meu irmão estava a caminho da guerrilha.<br />

Fomos tirados do carro e mandados para uma fila de triagem. Eu usava uma minissaia e<br />

não <strong>que</strong>ria ficar com os braços atrás da nuca por<strong>que</strong> ficaria com as pernas totalmente de<br />

fora. E não tinha a menor intenção de ser alvo dos olhares da<strong>que</strong>les brutos.<br />

Mas eles não se contentavam apenas em olhar. Os policiais passaram a cutucar minhas<br />

pernas com baioneta. Resisti para não chorar. Até <strong>que</strong> não aguentei a pressão e dei um<br />

berro:<br />

- Para, seu merda!<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PaSSeaTaS, MaNiFeSTaçõeS, açõeS 177

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