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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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de longa talagada de marafo, recebeu de uma filha-de-santo um charuto aceso e uma<br />

caneca de vinho Telephone, o mais barato <strong>que</strong> havia no mercado, para, já assediado pelos<br />

consulentes, dar início aos trabalhos.<br />

o ebÓ da libertação<br />

As consultas envolviam <strong>que</strong>stões triviais, embora bastante incômodas para <strong>que</strong>m as<br />

enfrenta: casamentos pretendidos ou fracassados, gravidez indesejada, falta de dinheiro,<br />

doença, desemprego, impotência, carências as mais diversas – as mesmas, por sinal, para<br />

as quais as seitas evangélicas eletrônicas apregoam soluções imediatas. Vovô atribuía a<br />

origem de muitos desses males a despachos, <strong>que</strong> precisavam ser desfeitos ou neutralizados<br />

por contrafeitiços. Esses implicavam a aquisição de oferendas, cujos preços provocavam<br />

reclamações dos fiéis, mas Vovô não aceitava esse tipo de reclamação: as entidades,<br />

segundo ele, não gostavam de miséria ou avareza.<br />

Os pedidos e casos mais complicados exigiam encaminhamento até certo ponto<br />

burocrático: tinham <strong>que</strong> ser formulados por escrito, o <strong>que</strong> ocasionava aflições adicionais<br />

aos necessitados, pois raros eram os <strong>que</strong> sabiam escrever. Recorriam, então, a mim ou a<br />

alguém do meu grupo, para <strong>que</strong> anotássemos as reivindicações ou os nomes dos<br />

responsáveis pelas suas desditas. Os bilhetes seriam rasgados e colocados, em pedacinhos,<br />

nas bocas dos animais sacrificados.<br />

Candidatos ao sacrifício só havia ali dois bodes negros, <strong>que</strong>, precariamente amarrados,<br />

procuravam se esquivar dos rodopios das entidades baixadas no rastro de Vovô, exus<br />

como Pingafogo ou Maria Padilha. Um dos animais, <strong>que</strong> já conhecíamos de visitas<br />

anteriores, fora conseguido com grande antecedência e tivera tempo para se tornar<br />

íntimo do pessoal, <strong>que</strong> o tratava, carinhosamente, por Tomé. Quem teria coragem de<br />

matá-lo? Daí a compra, à última hora, mediante subscrição, de um bode igualzinho a<br />

Tomé, com a única e capital diferença de <strong>que</strong> era anônimo. Tomé parecia cônscio da<br />

situação, tanto <strong>que</strong> se manteve impassível durante o afiamento da faca pelo axogum,<br />

enquanto seu sósia, apavorado, se debatia e berrava.<br />

Morto o caprino, Vovô solicitou os pedidos dos crentes e os nomes das pessoas <strong>que</strong> lhes<br />

atravancavam os caminhos. Foi quando, para minha surpresa, o jornalista alemão, <strong>que</strong>, já<br />

há algum tempo, escrevia freneticamente, passou-me uma lista. O preto velho, sentado<br />

no chão e ocupado em retalhar os papéis, perguntou-me o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria <strong>que</strong> acontecesse<br />

com os indigitados. Consultei o alemão, <strong>que</strong> não titubeou: “todos deveriam morrer!”<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PaSSeaTaS, MaNiFeSTaçõeS, açõeS 175

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