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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Diana Brown, <strong>que</strong>, inteiramente familiarizada com os ritos e seus praticantes, preparava<br />

um trabalho de pós-graduação sobre quimbanda.<br />

174<br />

“Seu Catarino é preto veio,<br />

preto <strong>que</strong> nunca faltou.<br />

Seu Catarino é preto veio,<br />

preto <strong>que</strong> nunca faltou.<br />

Galo cantou,<br />

Jesus nasceu.<br />

Seu gongá estremeceu,<br />

seu gongá estremeceu...”<br />

Não só o gongá – a mesa improvisada em altar em <strong>que</strong> se alinhavam imagens de santos<br />

católicos sincretizados com orixás, assim como de caboclos e pretos velhos, em meio a<br />

flores, velas, copos com água e fetiches diversos –, mas todo o barraco estremecia ao<br />

ritmo das palmas e batidas de pés <strong>que</strong> marcavam os pontos (cânticos) de chamada de<br />

Vovô. “Paulista”, <strong>que</strong> lhe serviria de burro (designação dada ao médium ou suporte na<br />

quimbanda; cavalo e aparelho são os termos mais usados nos outros cultos afrobrasileiros),<br />

vestia-se nas cores de Exu: calças, camisa, guia (colar de miçangas) e gorro<br />

rubro-negros, sendo <strong>que</strong> deste pendiam dois cornos recheados de escopa; numa das<br />

mãos, outro indício do sincretismo com o diabo cristão: um tridente de ferro com <strong>que</strong>,<br />

vez por outra, simularia ameaçar os fiéis. “Deus é bom, mas o Diabo é melhor!” era o<br />

refrão de um dos pontos entoados com mais entusiasmo.<br />

“Paulista” começou a se contorcer e debater como se percorrido por descargas elétricas,<br />

em ondas sucessivas de repelões e sacolejos <strong>que</strong> o atravessavam dos pés à cabeça,<br />

erguendo-o, às vezes, para largá-lo, a seguir, com toda a força, sobre os cacos – o tapete<br />

de Exu, necessariamente de vidro escuro –, <strong>que</strong> não feriam os seus pés descalços.<br />

Os demais, arrebatados pelo impacto da chegada do preto velho, rodavam em torno de<br />

“Paulista”, trombando, por vezes, entre si, e até se projetando no chão de barro do<br />

barraco, os esgares do transe estampados nos rostos negros e luzidios. Grunhiam palavras<br />

desconexas em meio a silvos e apitos de naus desgovernadas.<br />

Quando tudo se acalmou, não era mais “Paulista” <strong>que</strong>m estava ali, mas Vovô Catarino,<br />

<strong>que</strong>, do alto dos seus quinhentos e tantos anos, saudou a plateia, falando como um velho<br />

escravo africano, em tom bondoso e compreensivo, mas perpassado de sarcasmo. Depois

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