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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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6.5 PerseGuição<br />

148<br />

Paulo de Tarso Carvalho<br />

Quando crianças, julgamos os grandes eventos da História, especialmente os ligados às<br />

ideias democráticas ou socialistas, como acontecimentos de toda pompa e circunstância.<br />

Imaginamos Sócrates quando se matou com a imposta cicuta ou Napoleão em Waterloo,<br />

como se eles estivessem num cenário épico de filme da Metro ou na representação de ato<br />

de tragédia shakespeareana.<br />

Só tempos depois, cada um de nós passa a ter uma visão mais real da<strong>que</strong>les episódios. E<br />

quanto de covardia, medos e ridículo percebemos nos <strong>relatos</strong> dos livros e dentro de nós<br />

mesmos. Corrigimos então as nossas errôneas percepções.<br />

Dou um exemplo pessoal dessas distorções causadas pelos filtros de nossa psicologia.<br />

Estávamos na década de 60, perto dos anos de chumbo, sabedores de tanta maldade<br />

desenvolvida a partir de certa necessidade, inventada pelos dominantes nacionais e<br />

internacionais, de <strong>que</strong> socialista merece tortura, os hereges devem seguir para a fogueira,<br />

os subversivos devem ser subvertidos.<br />

E assim, como na Idade da Inquisição, <strong>que</strong> se cuidassem os <strong>que</strong> tinham algum motivo<br />

para ter medo da fogueira com <strong>que</strong> se <strong>que</strong>imavam livros e pessoas. Todos teríamos <strong>que</strong><br />

esconder nossa aparência de livres pensadores ou de feiticeiros. Ou iríamos para o Inferno,<br />

nas chamas de Tor<strong>que</strong>mada.<br />

Eu tinha dado provas de atividade <strong>que</strong> me levariam ao Santo Ofício: livros, manuscritos,<br />

fotos, escudinhos, cartas. Como me livrar de tudo aquilo? Não gostaria de excluir todos<br />

os <strong>que</strong> entenderiam muito melhor o mundo se lessem os meus guardados. Optei, então,<br />

por não <strong>que</strong>imar, como amigos fizeram, os livros <strong>que</strong> me transformaram e <strong>que</strong> poderiam,<br />

ainda, transformar muita gente. Resolvi deixar num ônibus ou num bonde, todo dia,<br />

muito discretamente, um ou dois de meus condenados livros.<br />

Alguns desses livros quase me faziam chorar ao me livrar deles. Mas era o medo <strong>que</strong><br />

vencia. Colegas da faculdade haviam sido torturados por manterem em casa livros do<br />

Curso de Ciências Sociais (alguns tão água-com-açúcar...).

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