06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

As idas das crianças às associações de classe da Força Pública com o pai eram muito<br />

<strong>que</strong>ridas. Lembravam-lhes lanches sendo distribuídos no ônibus cheio de famílias, todos<br />

alegres. Melhor ainda era no Natal, quando se distribuíam bolas para os meninos e<br />

bonecas “bruxinhas” de cabeças de louça para as meninas. No máximo, de contratempo,<br />

havia, quando chegavam, uns discursos em <strong>que</strong> tinham <strong>que</strong> fazer silêncio e parar de<br />

correr. Logo depois, voltavam à correria e à gritaria alegre, chamando pelos nomes os<br />

coleguinhas recém-conhecidos.<br />

Em um dia de 1964, o caminhão não veio. E o pai não voltou da “prontidão” no quartel.<br />

Para a<strong>que</strong>la família paulistana, o inverno gelado, chuvoso e insuportável, chegou mais<br />

cedo, em abril.<br />

Alguns vizinhos militares se afastaram e, também, aos filhos. As crianças passaram a<br />

brincar só entre irmãos. As ruas ficaram desertas de crianças às tardinhas, após as aulas.<br />

Sem caminhão, sem ração para os coelhos, o jeito foi as crianças irem catar capim para<br />

mantê-los como bichos de estimação e não os ter como animais de abate. Nos arredores<br />

de São Paulo, ainda havia muito verde nas redondezas onde a casa estava situada.<br />

- O pai fica no quartel e não traz o dinheiro para a mãe comprar comida. Mas e o salário<br />

da mãe? - As crianças não entendiam por <strong>que</strong> os salários dos pais não estavam sendo<br />

pagos pelo governo.<br />

Sustentar as crianças, conseguir os alimentos passou a ser obrigação só da mãe. Já na<br />

época não era fácil conseguir o pão de cada dia. O jeito foi comprar fiado. A filha do meio<br />

nunca mais se es<strong>que</strong>ceu do dia <strong>que</strong> acompanhou a mãe para abrir a “caderneta do fiado”,<br />

ajudando-a a cuidar da caçulinha de colo.<br />

Conseguiu fiado sem constrangimentos, com imediata empatia das partes. Mas, a menina<br />

não conseguia deixar de <strong>que</strong>stionar-se em silêncio por qual razão a mãe escolhera logo<br />

esse empório para ir comprar, esse <strong>que</strong> lhe parecia tão caro, <strong>que</strong> nem um docinho, até<br />

então, lá comprara! Ela notou, sempre em silêncio, <strong>que</strong> a conversa entre a “dona” do<br />

empório e a mãe transcorria em baixa voz e com contínuos olhares desconfiados e aflitos<br />

de ambas para as portas do estabelecimento.<br />

Hoje, com essas senhoras já falecidas, não dá mais para perguntar se o rápido fiado foi<br />

motivado pelo tino comercial da proprietária portuguesa, pela compaixão dela como<br />

142

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!